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Nº 5696
Maré

COZINHA COM IDENTIDADE

Alagoanos viram chefs durante a pandemia e descobrem conexões históricas e de afeto enquanto exploram os sabores da culinária tradicional

Por Thauane Rodrigues* ESTAGIÁRIA | Edição do dia 26/03/2022 - Matéria atualizada em 26/03/2022 às 04h00

Sem dúvida alguma, um dos cômodos mais aconchegantes das casas brasileiras é a cozinha. Repleta de cheiros, sabores, cores e texturas, esse é cenário de muitas memórias afetivas que criamos ao longo da vida. E foi justamente esse cômodo que muitas pessoas redescobriram durante a pandemia e transformaram em aconchego no isolamento - ou em negócio.

Cozinhar para a família, amigos ou para você mesmo sempre foi motivo de festa e alegria dentro das casas dos brasileiros. Com a chegada da pandemia e os longos dias de isolamento, para muitos, cozinhar foi uma alternativa de manter a saúde mental em dia. Descobrir novos sabores, reviver comidas esquecidas ou até mesmo se descobrir entre as panelas tornou-se comum nos dias de quarentena.

Para o chef alagoano Daniel Toledo, cozinhar novas receitas e se redescobrir dentro da cozinha foi o que possibilitou distrair a mente durante os dias parados de isolamento social, além de ter atiçado seu lado empreendedor.

“Durante o isolamento, a cozinha era a parte pulsante da minha casa. Todo dia era um prato diferente. Tudo era motivo pra cozinhar. Além de que, o delivery da Ọkàn surgiu justamente em 2020, durante o isolamento social. A cozinha aqui em casa é viva o tempo todo”, conta.

Já para o jovem Arthur Rodrigues, amante da gastronomia, que estava morando fora do Brasil quando a pandemia explodiu, seus melhores momentos durante a quarentena aconteceram dentro da cozinha, pois era fazendo novos pratos que ele se desligava do mundo e saciava a saudade de casa.

Enquanto uns utilizaram da memória afetiva para matar a saudade, o contador José Lopes, criou o hábito de cozinhar em família durante os dias pandêmicos.

“Com o isolamento, criamos o hábito de ver programas de culinária e nas sextas-feiras pôr em prática os ensinamentos dos programas. Eu não tinha o hábito da culinária, tinha preguiça de tentar fazer, já que o trabalho consumia quase que todo o meu tempo”, afirma.

“Também tinha o medo de dar errado. Mas com a prática, hoje, pra mim, é uma forma de ocupar meu tempo, e isso me surpreendeu, pois comecei a me aperfeiçoar, e hoje tenho pouco mais de domínio no que faço”, conta José Lopes.

SABOR DE AFETO

Com a presença das mulheres, a sabedoria da culinária tradicional é passada oralmente durante as conversas proporcionadas pelos momentos intimistas e afetuosos dos preparos dos alimentos.

O chef Daniel Toledo conta que sua primeira referência dentro do mundo gastronômico é sua avó, dona de casa, mulher do campo e quituteira de mão cheia. Hoje, Daniel replica as receitas e faz sucesso com os saberes adquiridos com Dona Zilda.

“A cozinha sempre foi o meu lugar preferido da casa. Quando criança, ainda morando com meus avós, a hora do almoço era uma festa! Juntavam os tios vindo do trabalho, os primos e eu vindo da escola, e meus avós. Era aquela mistura de cheiro e cores que me encantava e encanta até os dias atuais. Hoje, eu replico a cocada de leite fresco que ela fazia e os saberes da cozinha tradicional”, relembra Daniel.

Arthur Rodrigues, relembra com carinho que os ensinamentos repassados para ele dentro da cozinha, serviram de teste para que a avó avaliasse se já era o momento do neto criar asas e voar para o mundo.

“Lembro que quando eu comecei a querer viver minha vida e disse para minha avó, ela me entregou uma galinha para preparar afirmando que queria ela pronta. Ela disse que só assim ela saberia se aquele era o momento”, relembra o jovem.

Ainda de acordo com ele, outro momento marcante e que lhe traz boas memórias é de quando sua bisavó resolveu ensiná-lo a preparar “um bom feijão”.


DE HOBBY A PROFISSÃO

Tornar-se o cozinheiro oficial dos amigos ou das festas em família é um dos marcos mais importantes dos atuais e futuros chefs de cozinha.

Para Daniel, a descoberta da profissão aconteceu naturalmente, o cargo de cozinheiro das festas sempre foi dele, o que se aprofundou com sua vivência dentro da cozinha do terreiro de Umbanda Nagô que ele frequenta. Hoje em dia, ele também pesquisa a culinária afro-brasileira.

“Ao conhecer a cozinha do terreiro, me encantei profundamente, pelas formas, sabores e cheiros, que sempre me remete a cozinha da minha avó. Daí comecei a pesquisar a culinária afro diaspórica, logo comecei a fazer Acarajés. Toda casa de amigo que eu ia visitar, eu tinha que levar, ou fazer acarajés para o lanche”, conta Daniel.

“Logo depois surgiu a oportunidade de comercializar meu acarajés e nasceu a ỌKÀN acarajés & co. (ọkàn na língua iorubá, significa alma. Comida com alma é o que eu faço) e muitos convites para eventos. Do acarajé cresceu para buffet e, durante a pandemia, uma linha de produtos artesanais: geleias, doces de leite, acarajés congelados, pães, molhos de pimenta, cocadas, banho de ervas, escalda pés, incensos artesanais”, completou ele.

Para Arthur, o desejo de tornar o hobby em profissão nasceu através da vivência que teve ao trabalhar dentro de um restaurante e ao começar a pensar no que queria para seu futuro.

“Quando eu me vi desesperado para descobrir uma profissão, foi na cozinha que eu percebi que era o meu lugar, que era onde eu conseguia me encontrar e trabalhar com algo que eu gosto”, disse Arthur.

Hoje em dia, o jovem diz que pretende crescer profissionalmente na gastronomia e lembra com carinho das descobertas realizadas dentro do antigo ambiente de trabalho.

“No meu primeiro emprego nos EUA, eu comecei trabalhando como cumim, logo depois já estava entrosado dentro da cozinha, finalizando pratos, preparando sobremesas. Estar na cozinha é um mix de sensações, me sentia realizado ao ouvir um elogio, ao saber que tinham gostado da minha comida”, relembra ele.

*Sob supervisão da editoria da Revista Maré

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