Maré
VAMOS SOCIALIZAR?
Ansiedade e traumas atenuados durante a pandemia fazem jovens manterem isolamento, mais de um ano depois do relaxamento de medidas sanitárias

O distanciamento social ficou para trás, mas, no novo normal, conhecer novas pessoas, enfrentar os locais públicos, voltar a socializar após o período mais crítico da pandemia tem sido motivo de dores de cabeça para muitos alagoanos. Principalmente para quem se isolou de forma radical, retornar aos círculos sociais, ir a festas e até barzinhos se tornou um verdadeiro desafio.
A falta de interação social e do olho no olho durante mais de um ano fez com que muitos se tornassem antissociais, o que leva ao aumento das queixas sobre reaprender a lidar com o público dentro das salas de psicólogos.
Com a socialização e as relações interpessoais sendo uma habilidade de suma importância para o desenvolvimento pleno do ser humano, o isolamento social causado pela pandemia fez com que muitas pessoas criassem um tipo de bloqueio na hora de compartilhar a vida e o afeto.
De acordo com o psicólogo Humberto Sarmento (CRP 15 4568), as pessoas que sentiram o impacto da privação social, provavelmente, já possuíam comportamentos ansiosos, que com a pandemia foram potencializados.
“A pandemia possivelmente potencializou aquele que já estava em processo de adoecimento psíquico e gerou gatilhos para aqueles que pouco se atentaram para a saúde mental. O transtorno de ansiedade já acomete boa parte dos brasileiros e, com o isolamento, houve significativa piora. Dentro da categoria dos transtornos de ansiedade, encontra-se uma especificidade que se fortaleceu bastante no período pandêmico, que é a ansiedade social. Esse tipo de ansiedade costuma acarretar sintomas ansiosos em momentos de exposição e interações sociais”, explicou ele.
PROBLEMAS PÓS-PANDEMIA
Além disso, durante o período pandêmico, a ausência de motivação para as atividades físicas, o trabalho remoto, desregramentos alimentares e mudanças físicas que mexem com a autoestima também foram fenômenos que somaram significativamente com o aumento da ansiedade e isolamento voluntário.
A adolescente J.F, de 17 anos, foi uma das alagoanas que sentiram o forte impacto do tempo de isolamento. As crises de ansiedade da jovem começaram a se intensificar com a proximidade do retorno das aulas presenciais.
Assustada com as pessoas e incomodada com o barulho dos locais, ela começou a ter a vida estudantil afetada pois não conseguia apresentar trabalhos da escola ou fazer novas amizades. Foi graças ao pedido da mãe que a adolescente buscou ajuda profissional e, hoje, consegue lidar melhor com as situações que lhe afetam.
“Eu já percebia que tinha dificuldade em socializar, antes mesmo da pandemia, mas, com o lockdown, os conflitos pioraram. Não conseguia ir para a escola, apresentar trabalhos para minha sala, tinha muitas crises. Hoje, com o tratamento, já fiz novos amigos e consigo realizar minhas atividades”, contou.
Já o professor Luís Fernando Nunes, de 33 anos, relata que passou muito tempo em casa e hoje consegue perceber que não é o único que sofre para voltar a socializar. De acordo com Luís Fernando, ele criou fobia de mesas de bares, horror ao barulho e relata que vivenciar essas situações tem sido um desafio.
“Acho que isso tudo tem a ver com o tempo que fiquei sozinho em casa, me acostumei com o silêncio e sair disso é um problema. Manter uma conversa é difícil. Por exemplo, fui em uma festa de lançamento de um livro recentemente. Várias pessoas para conversar e eu não tinha nada além daquilo para fazer. Mas eu ficava conversando com pressa, como se eu tivesse um compromisso, com pressa de acabar”, contou ele.
Entre as queixas mais comuns sobre a volta da socialização estão os sintomas das crises de ansiedade, que muitas vezes estão vinculadas à taquicardia, falta de ar, pânico, medo de se aproximar de pessoas, vergonha do próprio corpo e até mesmo receio de reencontrar pessoas e serem questionadas sobre as mudanças físicas.
“Atualmente em meus atendimentos já estamos lidando com os transtornos emocionais causados por essa fase. As pessoas estão retornando aos trabalhos presenciais e estão buscando meios de ressocialização. Alguns casos preciso fazer encaminhamentos ao acompanhamento psicofarmacológico para fortalecer o processo de tratamento”, conta o psicólogo Humberto Sarmento.
A busca pela psicoterapia tem sido uma via importante de tratamento, pois, através dela, é possível desenvolver novas estratégias e habilidades sociais, realizando o manejo e reconhecimento das emoções.
O professor Luís Fernando, mesmo com a dificuldade em voltar a socializar, conta que também adquiriu muitos hábitos bons do tempo de isolamento e que aos poucos está tentando enfrentar os desafios.
“Acho que todo mundo trouxe alguma coisa da pandemia. Eu fiquei trabalhando de casa, mudei muitos hábitos, adotei hábitos saudáveis no começo, mas depois desandou. Eu trouxe muito aprendizado, mas também trouxe hábitos ruins e essa resistência para retomar a vida após tudo o que passamos. Estou tentando resolver me observando, tentando criar laços novos, me colocando em situações de socialização, tentando não entrar na neura ou pirar por causa disso”, finaliza o professor.
Para o psicólogo Humberto Sarmento procurar o auxílio psicológico é primordial, pois é uma forma mais segura, para a saúde mental, de realizar o retorno à dinamicidade do dia a dia.
“A psicoterapia auxilia a pessoa no retorno à vida de forma mais segura e habilidosa. É preciso que o paciente se permita passar pelo processo e seja seu próprio colaborador em sua autorregulação. O psicoterapeuta será um acompanhante nesse processo”, explica ele.
*Sob supervisão da editoria da Revista Maré