Maré
APAGANDO TODAS AS LUZES
Mesmo entre jovens, prática de se desconectar antes de dormir ganha cada vez mais adeptos; confira relatos

Perto das 22 horas, a universitária Débora Lima fica offline, o que é bem diferente do que ocorre com as amigas e amigos da alagoana de 24 anos. Ela diz que, ao contrário do que tem praticado, eles estão cada vez mais conectados nesse horário, assistindo, conversando em aplicativos de mensagens ou jogando on-line. Para ela, no entanto, o hábito de trocar o dia pela noite estava se convertendo em ansiedade e insônia, principalmente após a fase de isolamento da pandemia de Covid-19.
“Não tô levando mais o celular para cama, nem deixando nada ligado. Antes eu dormia até com um barulho de chuva, mas agora tô preferindo o silêncio. Eu paro, coloco o celular no modo silencioso, às vezes leio alguma coisa, e vou pegando no sono enquanto presto atenção somente no que eu tô ouvindo”, relata a jovem.
Indo além, o publicitário Douglas, de 29 anos, não leva sequer o celular para o quarto algumas horas antes de dormir, tudo para evitar olhar para a telinha e perder a hora nos aplicativos de vídeos curtos.
“Todo mundo meio que ficou perdido nessa onda do TikTok durante a pandemia, né? É quase um vício, a gente começa e não quer mais parar. Mas isso estava me deixando agitado, até sem dormir eu ficava, demorava outra hora para poder pegar no sono”, conta.
Embora as atitudes pareçam radicais, elas encontram respaldo na medicina e em estudos que visam compreender os impactos dessa relação de profunda intimidade que preservamos com os aparelhos eletrônicos hoje em dia. Encontram ecos também na experiência de quem adotou esse estilo de vida e obteve resultados satisfatórios.
“São pequenas coisas que acabam mudando o nosso dia seguinte inteiro. Colocar na rotina, criar seu próprio ritual de limpeza da mente, ter o seu lugar de silêncio pode parecer uma loucura, uma besteira, mas eu consegui mudar completamente a minha vida depois desse período de pandemia” afirma Carla Correia, maceioense que agora quer ajudar pessoas que queiram se desligar do celular e de aparelhos tecnológicos no período de descanso.
“Eu passei a amar o outro dia, a saber das notícias só no outro dia, não leio mais notícias antes de dormir, nem fico em redes sociais. Eu penso que isso é muito ruim para nosso cérebro, pra nossa alma também, para tudo”, argumenta.
Para a psicóloga, psicoterapeuta e psicanalista Beatriz Breves, especialista na Ciência do Sentir, a exposição ao turbilhão de informações on-line nas redes sociais está, sim, associada a uma sobrecarga mental. “Sendo assim, uma das formas de relaxar é se desconectar das redes de comunicação, tanto do celular, do computador quanto da televisão. Os estímulos constantes das telas podem causar exaustão mental e colaborar para o aumento do estresse. Por isso, é válido ter esse período off durante o dia, nem que seja por uma hora”, sugere a profissional.
Débora diz que começou a nova rotina há quase três meses e que as amigas ainda insistem em programas noturnos on-line. “Coisas que não me pertencem mais. Eu pensei, sabe, os benefícios de ter uma rotina melhor e continuar nessa vida compulsiva pelas redes sociais, pela internet, pelos jogos”, afirma.
“Eu mudei tudo depois que eu cheguei no fundo do poço emocional. Meu amigo, eu estava para morrer, ganhei vários quilos durante o período da pandemia, passei a gostar de ficar só no quarto. Eu tinha a casa inteira, mas ficava só no quarto. Comia de delivery, mal executava coisas, adiei muitos sonhos, muitos planos. Eu cheguei na metade deste ano e olhei pra mim e disse, caramba Carla, você não fez nada”, revela.
“E a gota d’água foi saber que um amigo meu, jovem, de 29 anos, está hipertenso e tava na mesma condição que eu. Trocamos figurinhas, ele tristíssimo, eu pensei, poderia ser eu, serei eu daqui a alguns dias, afundada em informação, em diversão, em um confinamento que eu mesma criei”, completa Carla, para quem o “detox” do celular na hora de dormir virou um estilo de vida.
“Acho que por muito tempo a gente teve um ‘normal’, depois veio a pandemia e o tal do ‘novo normal’, mas ele não me agrada. Prefiro me desligar na hora de dormir para ver se eu volto ao meu normal de antes, quem sabe ele é mais regrado, mais disciplinado, e pode deixar o celular ao menos na cabeceira do quarto”, finaliza Douglas Júnior.