JARDINAGEM
Onde brota o bem-estar
Cuidar de plantas ajuda a desacelerar e a se reconectar com a natureza; psicóloga fala sobre os benefícios e especialista dá dicas para quem quer começar


No quintal, na varanda ou até em pequenos vasos espalhados pela casa, o verde tem ocupado cada vez mais espaço na rotina de quem busca acolhimento, calmaria, equilíbrio e bem-estar. Cuidar de plantas, além de embelezar o ambiente, virou uma forma silenciosa e poderosa de cuidar da saúde mental. A jardinagem, para muitos, funciona como terapia: tranquiliza a mente, ensina a ter paciência e promove uma conexão com o tempo presente, o que é algo raro nos dias de hoje, com tanta correria, excesso de telas e redes sociais.
A psicologia já reconhece os benefícios emocionais do contato com a natureza. Regar, podar, replantar ou simplesmente observar uma folhinha nova nascendo são gestos que ajudam a desacelerar os pensamentos, aliviar o estresse e reduzir sintomas de ansiedade. Em consultórios, não é raro que terapeutas recomendem atividades como a jardinagem para pessoas em momentos de luto, solidão ou recomeços. É um jeito de cuidar de algo fora de si e, ao mesmo tempo, se reconectar consigo mesmo.
Seja no cultivo de ervas aromáticas, flores ornamentais ou folhagens tropicais, o gesto de plantar e cuidar tem um simbolismo poderoso: o de que é possível florescer, mesmo nos dias mais nublados. E em cada broto novo, há também uma metáfora silenciosa sobre esperança, tempo e paciência. Porque, no fim das contas, quem cuida de plantas também aprende a cuidar de si.

De acordo com a psicóloga Ellen Quintela, o cultivo de plantas implica no contato constante e cotidiano com a natureza, o que, de acordo com estudos realizados em adultos, diminui em 70% a chance de desenvolver sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
Ela destaca que a prática vai de encontro à sociedade que vivemos atualmente, onde tudo acontece de forma rápida ou instantânea, através da forte presença das redes sociais. Isso ocorre pois o cultivo de plantas eleva os níveis de dopamina e serotonina, neurotransmissores cerebrais responsáveis por motivação, fazendo parte do sistema de prazer e recompensa, e regulação de humor, respectivamente.
“Ou seja, o cuidado com as plantas é recompensador e regula o humor, mas isto acontece em um ritmo mais lento, haja vista que é preciso esperar o processo de cada tipo de planta. Este fator se torna protetivo para a saúde mental à medida que contribui para a melhora do humor, sono e níveis funcionais de ansiedade, além de ajudar na regulação de neurotransmissores cerebrais que fazem parte do processo de tolerância ao mal estar e frustração, de controlar os impulsos e, como consequência, tornar-se mais paciente”, pontua.
A jornalista Pollyana dos Anjos é uma apaixonada por plantas, daquelas pessoas que vibram ao mínimo sinal de que uma nova folhinha vai surgir. Ela conta que sempre teve uma ou outra plantinha no quarto, mas que o desejo por “mais” surgiu quando ela foi morar sozinha em um apartamento, há cerca de cinco anos.
“Queria muito que esse novo lugar tivesse um ar ‘de casa’, com muitas plantas e um ambiente acolhedor. Passei minha infância rodeada de árvores e sempre quis resgatar a sensação de estar perto da natureza. No início, a motivação era estética, mas com o tempo, vendo elas crescerem, comecei a dedicar mais e mais tempo à prática. Cuidar se tornou meu momento de desconexão com o digital, que é o meio no qual eu trabalho e que me cobra uma presença quase que full time. Ter momentos de respiro são muito importantes”, destaca Pollyana.

Depois de conseguir decorar a casa e deixá-la mais aconchegante, o cultivo das plantas se tornou uma atividade terapêutica, especialmente durante o período da pandemia, que trouxe muitos desafios pessoais e profissionais para ela.
“Durante a pandemia, o trabalho com a comunicação se intensificou e desenvolvi uma crise de ansiedade que me convidou a ter o cuidado com as plantas como processo de cura, um desacelerar. Então, plantar, regar e perceber o crescimento se tornou parte fundamental do meu dia a dia, e hoje não sei ser diferente”, conta.
Atualmente, ela tem cerca de dez tipos de plantas, com as quais conversa e cuida com todo o amor. Morando em uma casa, o verde pode ser encontrado em vários ambientes, como varanda, sala, banheiro e quintal.
“Onde elas conseguirem conviver e receber os nutrientes necessários, eu coloco. Acho uma casa com planta, uma casa com vida. A costela de adão, por ser a maior de todas, impacta quem entra na minha sala, por exemplo. Ela foi a primeira planta que comprei quando soube que fecharia o contrato do meu apartamento. Peguei com três folhas e hoje ela está gigante. Sempre que nasce uma folha nova, eu dou boas-vindas, falo com voz mansa e vibro de alegria. Eu dou bom dia e converso sempre quando vejo que estão crescendo ou precisando de água, explico o que vou fazer com elas”, relata.
Ela diz ainda que a jardinagem mudou a forma como tem percebido as coisas ao seu redor.
“Eu desacelero da rotina. Fico, muitas vezes, até mais concentrada no restante do dia, pelo fato de ter respirado e executado uma única função por um determinado momento. A sensação que eu tenho é que estou nutrindo vida dentro da minha casa”, destaca Pollyana, que tem muitos amigos que também admiram e gostam de cuidar de plantas e, por esse motivo, sempre promovem troca de mudas.

A psicóloga Ellen Quintela conta que, como o cultivo de plantas ajuda na regulação de neurotransmissores, é um fator de proteção à saúde mental. Mas é também benéfico em quadros ansiosos, como transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico, bem como transtornos depressivos ou mesmo alimentares.
Assim como Pollyana, a profissional destaca que o período da pandemia foi marcado por uma extrema restrição de convívio social, cenário que favoreceu o desenvolvimento de transtornos de saúde mental, haja vista que grande parte das atividades comuns foram alteradas de maneira rápida e intensa. “A partir disso, estudos apontam que o contato interno, dentro de casa, ou externo, visitando um parque ou local com área verde, reduziu os níveis de sintomas ansiosos e depressivos durante o período da pandemia. Sendo assim, entendendo e vivenciando os benefícios do cultivo, o hábito pode ter sido estabelecido, o que aumenta a presença de plantas em ambientes internos”, afirma Ellen.
Ela ainda cita a relação da casa com o bem-estar emocional das pessoas. “A casa é compreendida como o território que ocupamos, fazendo parte de quem somos e da nossa história. Além disso, ela também deve ser um sinônimo de segurança e conforto, necessidades emocionais importantes para o desenvolvimento humano saudável e funcional. Pesquisas apontam que o contato com a natureza promove maior interação entre pessoas, coesão e capacidade de convivência, apresentando menor índice de estresse psicológico”, explica.

MELHORES ESPÉCIES PARA APARTAMENTO
O técnico em agropecuária, engenheiro agrônomo e produtor de plantas ornamentais, Lamartine Júnior, dá a dica para quem quer passar a cultivar plantas em apartamento. Algumas tipos são curingas para esses ambientes, como é o caso da Espada de São Jorge, que podem ser pequenas, grandes, com bordas amarelas, mais esverdeadas, ou seja, há uma infinidade de espécies. Há também as Zamioculcas, que é uma planta que não requer muita água e é bem fácil de ser encontrada. “Tanto ela, quanto as Espadas de São Jorge podem ficar em ambientes com menos luz, com luz indireta”, destaca.
Ele cita ainda a Jiboia, que é uma planta de interior, de mata, não nativa, que conseguem sobreviver em ambientes de apartamento, com pouca luz. “Com relação à rega delas, também são plantas que precisam de pouca água. Essas três eu acho que seriam plantas curingas que utilizamos em quase todos os lugares com pouca luz”, afirma, citando ainda a Costela de Adão, a Comigo Ninguém Pode e a Samambaia, que precisam de cuidados diferentes e de um pouco mais de luz que as demais.
Lamartine, que também comercializa plantas, conta que tem muita experiência com pessoas que tiveram algum problema familiar, de depressão, e que começaram a se dedicar ao cultivo de plantas e tiveram a vida transformada.
“Quando você tem uma planta, é como se você tivesse criando alguém, criando um bebê. E quando você começa a cultivar e começa a prestar atenção em todos os processos de desenvolvimento dela, você vê uma folhinha nova, desenvolvimento, a planta começando a crescer, começando a florescer e, dependendo da planta, começando a produzir frutos. Então, o acompanhamento desses seres traz bem-estar”, fala.

Ele cita ainda a questão do cheiro, que é chamada de biofilia, que é quando se tenta trazer a natureza para o cotidiano em casa. “É uma reconexão do ser humano com a natureza, que a gente foi perdendo com o tempo. Então, esse cultivo de planta, seja de uma hortinha para consumir, um pomar com algumas frutas ou as próprias plantas ornamentais ou medicinais para fazer um chá, traz um benefício mental muito bom para o ser humano, por vários motivos”, afirma.
Na hora de começar a cultivar alguma planta, é importante, além de pesquisar a que melhor se adequa ao ambiente, em relação à luz, também observar a questão do substrato ideal para a espécie em questão, como deve ser a rega e a adubagem.
E para quem tem crianças ou pets em casa, fundamental também é procurar saber se a planta que se pretende adquirir é venenosa. “O ideal é manter as plantas em vasos grandes e altos, de forma que as crianças e os animais não mexam com facilidade”, deixa a dica.