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Moda com alma alagoana
Fiama Pimentel começou a costurar ainda criança e suas criações chamaram a atenção, a levando a cruzar o oceano com suas criações


Ela não aprendeu a costurar com ninguém — foi como se já tivesse nascido sabendo. Em vez de brincar com bonecas, Fiama Pimentel enredava fios, dobrava tecidos e inventava mundos com agulha e linha. Hoje, aquela menina de dedos inquietos se transformou em uma estilista que leva a cultura alagoana para além do oceano. E se moda é identidade, como ela mesma diz, cada ponto bordado por Fiama carrega a alma de um povo e a história de uma mulher que sempre soube que queria — e podia — costurar o próprio destino.
Foi para esconder o incômodo com o próprio corpo que ela começou a criar suas roupas. Mas, no fim das contas, foi justamente esse gesto de autorreconhecimento que a lançou em uma carreira marcada por propósito e autenticidade. Fiama encontrou na renda Filé — tradição centenária das mulheres rendeiras de Alagoas — um fio condutor entre o passado e o futuro, entre suas raízes e o mundo. E tem mostrado, ponto por ponto, que é possível transformar o que é nosso em alta-costura com alma e pertencimento.
Fiama começou a produzir suas próprias peças aos 10 anos. Segundo a estilista, na época estava muito magra, algo que lhe aborrecia. Por isso, ao invés de pedir roupas, pedia tecidos à avó — e assim começou a criar suas roupas, preenchendo o armário não apenas com tecidos costurados, mas com uma arte em desenvolvimento. “Como ninguém costurava na minha casa, eu fazia tudo à mão”, lembra. Com vestimentas diferenciadas, não demorou muito até que fosse notada por aqueles que a rodeavam. As perguntas surgiram e, logo, a estilista começou a vender a sua arte em formato de roupa. “Essas criações começaram a chamar atenção, e logo passei a vendê-las para amigas e vizinhas”.

Aos 18 anos, passou em um teste para trabalhar como estilista em uma loja de tecidos da cidade. Três anos depois, abriu seu primeiro ateliê de vestidos de festa sob medida. Hoje, é a mente criativa por trás de três marcas: Fiama Pimentel (sob medida), Fiamma Lingerie e Baru, que aposta em um casual sofisticado.
Fiama sempre acreditou que a moda é mais do que aparência, é identidade, é expressão. “Meu maior incentivo foi o desejo de transformar a moda em uma ferramenta de identidade e autoestima. A moda é uma linguagem não verbal. Além disso, empreender e criar algo autêntico e com propósito sempre me impulsionou, mesmo diante de todos os desafios”, conta.
Dentro do seu repertório criativo, o bordado Filé ocupa um lugar de destaque. Tradição alagoana herdada de gerações de mulheres rendeiras, a técnica ancestral ganhou nova leitura em suas mãos. “O Filé alagoano sempre foi uma paixão minha. Sempre tive o desejo de valorizar e resgatar as raízes da cultura alagoana por meio da moda. Acredito profundamente que tradição e inovação podem coexistir, e o bordado Filé representa exatamente isso: uma técnica ancestral, rica em história, que pode ser reinterpretada de forma contemporânea”, afirma.

Mais do que estética, Fiama vê no Filé uma ponte entre passado e futuro. “Trabalhar com essa renda é também uma forma de apoiar o trabalho de artesãs incríveis e manter viva a nossa herança cultural”, acrescenta. Foi essa crença que a levou a cruzar oceanos com suas criações. Em 2014, ela foi a única estilista a participar do Art Open, na Alemanha, evento voltado para artes visuais. “Essa oportunidade surgiu através de uma amiga artista plástica, Lúcia Hinz. Criei uma coleção inspirada nas obras dela, onde adicionei detalhes em Filé”, relembra.
No currículo, Fiama acumula três coleções apresentadas em desfiles que marcaram sua trajetória. “Já realizei três desfiles: A nova flor do Lácio (2011, na Fecomércio), Pedras do Paraíso (2013, no TrendHouse) e Mirage Mundaú (2023, no Renda-se). Amo contar histórias através das minhas roupas. Ver as ideias que nasceram no papel ganharem vida na passarela é algo que não tem preço. É uma experiência de muito trabalho em equipe, pesquisa e emoção”.
Toda essa sensibilidade encontra ressonância também nas fontes que nutrem sua criação. “Minha maior fonte de inspiração vem da natureza e das paisagens de Alagoas. Mas, quando crio peças sob medida, gosto de me inspirar na história da mulher que será vestida por mim: seus desejos, anseios e intenções de mudança. Identificar a dor e transformar isso em criação é algo que me fascina profundamente”.

Em um setor historicamente marcado por altos e baixos, Fiama vê com otimismo a cena da moda em seu estado natal. “Vejo um cenário em transformação. Alagoas tem uma riqueza cultural imensa, são mais de 20 manualidades diferentes. Aos poucos, estamos vendo uma valorização maior da moda autoral, do feito à mão e do que é verdadeiramente nosso. Ainda existem muitos desafios, especialmente em relação à profissionalização do setor e ao acesso a oportunidades, mas acredito que estamos no caminho certo, com mais criadores, consumidores conscientes e iniciativas que apoiam o design local”, relata.
Com a mesma força que usava para segurar agulhas aos 10 anos, Fiama continua costurando sonhos. “Meus próximos passos envolvem consolidar minhas marcas com uma identidade forte e culturalmente relevante, expandir a presença das minhas criações em eventos internacionais e aprofundar meu trabalho com técnicas artesanais de Alagoas. Também estou desenvolvendo projetos que unem moda e transformação pessoal, como o método Efeito Fênix, e desejo que essa abordagem mais humana continue guiando meu caminho”, completa.