O SOM QUE CURA
O poder terapêutico da música
Musicoterapia une arte e ciência em busca do fortalecimento da autoestima, da comunicação e das habilidades físicas e emocionais


Imagine utilizar o som não apenas como forma de entretenimento, mas como um verdadeiro instrumento de cura. É esse o princípio da musicoterapia, prática que une arte e ciência para promover saúde emocional, cognitiva e até física. Reconhecida pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e também pelo Conselho Federal de Psicologia, a técnica utiliza melodias, ritmos e até o silêncio de forma estratégica, conduzida por profissionais capacitados, para tratar desde quadros de ansiedade e depressão até distúrbios neurológicos e de linguagem.
Estudos da neurociência apontam que a música tem o poder de ativar regiões cerebrais ligadas à memória, ao prazer e à regulação emocional. Em ambientes clínicos, a musicoterapia já é aplicada no acompanhamento de pacientes com Alzheimer, Parkinson, autismo, transtornos de humor e até em cuidados paliativos. A proposta não é ouvir músicas relaxantes, mas participar de atividades como improvisações sonoras, canto, uso de instrumentos e escuta ativa, tudo adaptado ao perfil e às necessidades terapêuticas de cada pessoa.
Em Alagoas, a musicoterapia começa a se consolidar como aliada no cuidado à saúde mental, especialmente em instituições que lidam com crianças, idosos e pessoas com deficiência. Pacientes relatam melhora no humor, na autoestima e até na interação social. A prática mostra que a música vai além do que se ouve: ela reverbera no corpo, na mente e na forma como nos conectamos com o mundo.
A psicóloga Alice Luna, que é especialista em musicoterapia e atua na área há cerca de 11 anos, conta que a técnica é uma abordagem terapêutica que utiliza a música e seus elementos, como ritmo, melodia e harmonia, som e silêncio, de forma planejada e intencional para promover saúde, bem-estar e desenvolvimento.

Uma prática que é para todas as pessoas, de todas as idades e condições, sendo especialmente eficaz com crianças neuroatípicas, pessoas com deficiências, com transtornos mentais e idosos, e que pode ser usada como ferramenta de reabilitação ou como prevenção contra o estresse, a ansiedade e a depressão.
“Uma sessão de musicoterapia é um encontro terapêutico estruturado, conduzido por um musicoterapeuta qualificado e que leva em consideração os objetivos individuais da pessoa atendida. A sessão começa com um momento de escuta e acolhimento [a chamada anamnese]. E as intervenções partem da relação da pessoa com a música. Não precisa saber cantar ou tocar um instrumento. O foco está no processo, não na performance. As sessões são estruturadas de acordo com a faixa etária e o diagnóstico”, afirma Alice Luna.
A especialista destaca que, por meio da música, é possível estimular a fala, a comunicação e a expressão emocional. “Também é possível desenvolver habilidades sociais e cognitivas, melhorar a coordenação motora, a atenção, a memória e a percepção sensorial, no manejo da ansiedade, da dor e do estresse, além de fortalecer a autoestima, a autonomia e os vínculos afetivos”, conta.
Os elementos utilizados nas sessões de musicoterapia são diversos: a música e seus componentes, como som, ritmo, melodia, harmonia, timbre, dinâmica e silêncio; instrumentos musicais diversos, como os de percussão, teclado, flauta, violão, xilofone objetos sonoros e instrumentos adaptados; o canto, as vocalizações, o movimento corporal e a respiração com ritmo.
“Músicas gravadas, aplicativos, histórias sonoras, livros cantados, e recursos lúdicos como fantoches, brinquedos coloridos, imagens e objetos sensoriais também são utilizados. Sendo fundamental levar em consideração a identidade sonora do paciente”, afirma.

Embora não existam contraindicações para a musicoterapia, é importante que o histórico de cada paciente seja avaliado, pois a sessão varia de acordo com cada caso. Isso porque pessoas com hipersensibilidade auditiva extrema, por exemplo, podem se sentir sobrecarregadas com sons, ruídos ou instrumentos. “Nestes casos, o musicoterapeuta deve adaptar os estímulos, a fim de ir dessensibilizando, trabalhando inicialmente com silêncio, som ambiente ou recursos visuais”, afirma a psicóloga.
No caso de pacientes psiquiátricos, ela conta que certos sons, ritmos ou letras podem desencadear reações negativas, devido a experiências traumáticas relacionadas. Em raros casos, certos padrões rítmicos ou musicais podem induzir crises epilépticas. “Por isso a importância do manejo ser conduzido por um profissional qualificado”, completa.
O perfil do paciente também é levado em consideração na hora da sessão. E é conhecendo esse perfil [idade, gostos, cultura] que é feita a escolha do repertório, sempre de forma bastante criteriosa, considerando também os objetivos terapêuticos, as respostas durante as sessões, a técnica usada - improvisação ou escuta - e o contexto da sessão. “A escolha é sempre intencional, buscando promover engajamento e alcançar metas terapêuticas”, diz Alice.
A musicoterapeuta Patrícia Azevedo ressalta que, dentro do contexto terapêutico, não se trata do gosto musical do profissional que está fazendo o atendimento, mas sim do que é benéfico para o paciente. “O foco deve ser sempre a ISO [identidade sonora] do paciente, o que ele nos traz da sua playlist. O musicoterapeuta não tem preferências musicais no setting terapêutico, a nossa função é estar completamente a serviço das necessidades do paciente”, afirma.

Os resultados da musicoterapia variam conforme cada pessoa, mas alguns efeitos, como relaxamento e bem-estar, podem ser percebidos logo nas primeiras sessões. Já mudanças mais profundas, como na comunicação ou comportamento, costumam surgir com o tempo, em um processo gradual e contínuo.
Entre os diversos benefícios psicológicos e emocionais, estão a redução da ansiedade, a melhora da concentração, o estímulo à memória e o fortalecimento da autoestima. Já do ponto de vista emocional, a técnica favorece a expressão de sentimentos, regula as emoções, fortalece vínculos afetivos e aumenta o bem-estar. “Esses efeitos surgem de forma gradual, respeitando o ritmo de cada paciente. A música não só toca, ela alcança o que palavras muitas vezes não conseguem. Já vi avanços importantes na coordenação motora, na marcha, na atenção e no comportamento. Cada progresso, por menor que pareça, é uma grande conquista. A musicoterapia tem esse poder: abrir caminhos no tempo de cada um”, ressalta Alice.
Apesar de todos os benefícios proporcionados pela técnica, muitas pessoas ainda desconhecem os efeitos dela e enxergam a prática de forma romantizada. “A musicoterapia não é só música para relaxar, como se fosse apenas colocar uma playlist suave e pronto. Vai muito além disso! É uma intervenção clínica séria, com objetivos terapêuticos claros. Cada som tem propósito e não é meditação, nem recreação”, afirma a psicóloga, destacando que a Psicologia e a Neurociência oferecem um respaldo científico robusto sobre os efeitos da música no cérebro humano.
Com formação em Música, a musicoterapeuta Patrícia Azevedo, conta que, de fato, existe muita desinformação em relação à prática da musicoterapia, pois as pessoas confundem o papel desse profissional.

“Vou fazer aqui uma comparação entre duas funções que utilizam a música que são a musicalização e musicoterapia. Essas duas práticas são campos distintos e não devem ser confundidas. A musicalização é o processo de ensinar e desenvolver habilidades musicais, como ritmo, melodia e teoria musical, com o objetivo de introduzir ou aprimorar o conhecimento musical de uma pessoa. Já a musicoterapia é uma prática baseada em evidências. É uma intervenção clínica, onde a música é utilizada como ferramenta terapêutica para promover mudanças no bem-estar, emocional, cognitivo e físico de um paciente. O foco da musicalização é pedagógico, a da musicoterapia é a saúde, conduzida por profissional qualificado”, afirma Patrícia.
Ela conta que trabalha com pacientes autistas e cita os benefícios que a técnica traz para esse público, como atenção sustentada, atenção compartilhada, foco, estímulo da fala, coordenação motora, percepção auditiva, fortalecimento da prosódia e da entonação monótona, que é muito comum no autismo, e a variação da entonação por meio da imitação de melodias.
“Além disso, a musicoterapia facilita a articulação verbal, pois o ritmo musical ajuda a segmentar os fonemas, promovendo uma melhor organização motora dos músculos envolvidos na fala. Tem também o engajamento emocional, pois a música gera prazer e conexão emocional, tornando o processo de aprendizagem mais motivador e menos aversivo para as crianças com Transtorno do Espectro Autista [TEA] ou com deficiência intelectual. Observamos ainda a redução de comportamentos graves e disruptivos, pois a música tem propriedades auto regulatórias que ajudam a modular estados de agitação ou apatia, criando um ambiente mais propício à comunicação”, destaca Patrícia, ressaltando a importância de fazer um acompanhamento multidisciplinar, aliando a musicoterapia às sessões de fono e psicoterapia.