CERATOPIGMENTAÇÃO
Um olhar além da estética
Proibida no Brasil para fins meramente estéticos, a ceratopigmentação ganha notoriedade após celebridades mudarem a cor dos olhos; conheça mais sobre o procedimento

Ter um olhar saudável vai muito além da capacidade de enxergar. Para quem perdeu a visão de um dos olhos, conviver com a aparência esbranquiçada ou opaca da córnea pode afetar profundamente a autoestima e o bem-estar emocional. A imagem refletida no espelho muitas vezes carrega marcas que vão além da deficiência visual, e é justamente nesse ponto que procedimentos como a ceratopigmentação, que é conhecida popularmente como tatuagem da córnea, podem representar mais do que uma mudança estética, significando um recomeço. Em Alagoas, esse tipo de procedimento cirúrgico já é realizado.
A técnica, que ganhou destaque recentemente após ser realizada fora do Brasil por influenciadoras como Maya Massafera e Andressa Urach, consiste na pigmentação da córnea para alterar a cor dos olhos. Embora tenha ganhado notoriedade por seu apelo estético, o procedimento é proibido no país em pacientes com visão saudável, justamente pelos riscos que representa.
No entanto, especialistas reforçam que a ceratopigmentação tem indicação válida e segura para pessoas cegas. Nesses casos, a técnica pode devolver o equilíbrio visual, trazendo mais confiança e conforto ao paciente. A pigmentação torna o olho sem visão semelhante ao outro, promovendo harmonia na aparência física e, muitas vezes, resgatando a autoestima perdida. Já a realização do procedimento em olhos saudáveis pode trazer complicações sérias e, por isso, não é autorizada no Brasil para fins meramente estéticos.
O médico oftalmologista especialista em córnea, Vitor Leão de Carvalho, explica que, quando realizada com indicação correta, a técnica é segura e consiste na inserção de pigmentos coloridos dentro da córnea, que é a primeira estrutura do olho. Em olhos saudáveis, trata-se da parte transparente, que fica à frente da parte colorida dos olhos.
“Aqui no Brasil, a indicação da ceratopigmentação é recomendada nos casos em que os pacientes que não têm mais visão, têm uma cegueira funcional e apresentam aquele olho branco, aquela córnea branca. O nosso objetivo com o procedimento é restaurar a coloração semelhante ao olho contralateral, ao olho do outro lado, e com isso, conseguir melhorar a qualidade de vida, restaurar a autoestima e a vida do paciente”, afirma o especialista.
Em Alagoas, a ceratopigmentação vem sendo realizada há cerca de dois anos. Segundo o médico, existem diversas técnicas que podem ser utilizadas para a execução do procedimento, o que vai depender de cada profissional.
“Existem técnicas em que inserimos o pigmento por meio de túneis que a gente cria na córnea. Há também técnicas que utilizam canetas específicas de alta frequência para inserir esses pigmentos dentro da córnea. Quando observamos essa cirurgia sendo realizada no exterior por pessoas com visão normal, com um objetivo puramente estético, acaba sendo necessário o uso de um equipamento de última geração, que é o que a gente chama de laser de Fentosegundo, usado para criar esse espaço dentro da córnea para colocação do pigmento. Mas não é necessário utilizar esse laser nas cirurgias permitidas no Brasil. Na verdade, nem conseguimos realizar a ceratopigmentação com laser em córneas brancas nos pacientes cegos”, destaca.
O oftalmologista conta que a ceratopigmentação é um procedimento complexo, que precisa seguir um protocolo extenso de avaliação pré-operatória e, claro, ser realizado por um especialista em córnea.
“Precisamos ter uma extensa avaliação pré-operatória do paciente e identificar nuances e características da córnea a ser operada. Na maioria dos casos, são pacientes que tiveram diversas doenças na córnea com comorbidades, então a gente precisa fazer um preparo dessa córnea antes de colocar o pigmento, isso no dentro do centro cirúrgico já. São necessários alguns exames pré-operatórios para entender qual é a espessura da córnea e fazer todo o planejamento cirúrgico no intra-operatório, além de identificar o pigmento a ser utilizado, qual a cor que será colocada no olho do paciente, porque o que nós queremos é fazer com que o paciente fique com a cor dos olhos o mais similar possível”, afirma.
Ele ressalta também que, para chegar ao pigmento ideal a ser aplicado no olho, para que fique o mais próximo possível do outro, às vezes é preciso misturar algumas cores diferentes. São pigmentos estéreos que podem ser utilizados em córnea e que vêm sendo acompanhados em estudos há mais de 12 anos, sendo considerados bastante seguros.
Mas como toda cirurgia, a ceratopigmentação também oferece riscos aos pacientes, apesar de muito estudada e já realizada há algum tempo em várias partes do mundo. “É uma cirurgia que existe em estudos de acompanhamento de até 12 anos, porém é um procedimento cirúrgico, que envolve risco como, por exemplo, infecção, dor pós-operatória e dificuldade de cicatrização. Não existe procedimento cirúrgico médico que não envolva algum risco. Então, é importante que os pacientes entendam os riscos, mas entendam também que, quando a gente indica essa cirurgia, é porque os benefícios superam os riscos”, fala.
E os resultados que o procedimento traz para quem tem a cor dos olhos modificada vão além de uma transformação estética e visual nos pacientes, mas também psicológica, considerando a felicidade e a satisfação que eles sentem ao não terem mais um dos olhos esbranquiçados.
“Não existe um benefício funcional em relação à visão, pois o paciente não vai enxergar com o olho que foi submetido à cirurgia, mas não podemos subestimar o impacto positivo que a ceratopigmentação tem na vida do paciente. Uma pessoa que tem um olho branco, o que não deixa de ser uma deformidade facial, acaba tendo a vida limitada em múltiplos sentidos, em múltiplas áreas que a gente não consegue nem imaginar. Então, só quem já viu a reação de um paciente no pós-operatório da ceratopigmentação, a satisfação, a felicidade, e os depoimentos de como aquilo mudou a vida dele, entende o quão benéfico é para a vida do paciente essa restauração da estética mais natural na face dele, no olho dele”, afirma o médico Vitor Carvalho.
Ele alerta para os riscos do procedimento em olhos com visão preservada, como complicações graves e até cegueira, motivo pelo qual a prática é vetada no Brasil para fins exclusivamente estéticos. O especialista ressalta que a discussão a respeito da realização desse tipo de cirurgia em olhos saudáveis é bastante polêmica, mas diz não recomendar.
Além dos riscos para o paciente com visão saudável, há também a questão da mudança de visual, que pode não agradar, e a cirurgia é irreversível.
“A realização da ceratopigmentação em um olho saudável com visão normal, sem deformidade estética facial prévia é um tema bastante polêmico. Hoje, eu não indicaria essa cirurgia para esses pacientes, pois precisamos de mais tempo de acompanhamento de casos, pois não sabemos como é que essa cirurgia em olhos que enxergam irá se comportar daqui a 20, 30, 40 anos. Além disso, é uma cirurgia que tem os seus riscos e o paciente precisa estar bem orientado. Então, imagina um paciente que enxerga muito bem, faz a pigmentação nos dois olhos e ele evolui com uma complicação mais grave e pode, inclusive, perder qualidade de visão ou perder a visão mesmo?”, diz.
Após o procedimento ganhar notoriedade com as cirurgias realizadas por mulheres famosas e com visão saudável, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) fez um alerta à população, destacando, justamente, o alto risco e os efeitos irreversíveis. “O uso desse procedimento com finalidade puramente estética não é recomendado. Pode causar infecções, inflamações difíceis de tratar e alterações na córnea que são irreversíveis, dificultando futuros exames oculares ou cirurgias, como a de catarata”, afirmou a presidente do CBO, Wilma Lelis.
Diante dos riscos, tanto o CBO quanto a Sociedade Brasileira de Córnea (SBC) enfatizam que qualquer intervenção nos olhos deve ser conduzida exclusivamente por oftalmologistas, pois procedimentos como a ceratopigmentação não podem ser tratados como soluções estéticas simples ou seguras. A saúde ocular requer cuidados baseados em evidências científicas, ética profissional e zelo pela integridade do paciente.
“É uma discussão muito profunda, que envolve, além da questão de riscos clínicos, a parte bioética, pois a gente sabe pelos estudos que o nível de insatisfação no curto e médio prazo com a coloração, nesses casos puramente estéticos, é muito alto. Em um paciente que tem um olho marrom, por exemplo, e muda para azul ou verde, o nível de insatisfação é muito grande, e é uma cirurgia irreversível, na qual o paciente não consegue voltar a ter a coloração dos olhos como era antes. Então, eu não recomendo essa cirurgia de conotação puramente estética para mudar a coloração natural dos olhos em olhos saudáveis”, completa.
SERVIÇO:
A cirurgia de ceratopigmentação é realizada no Instituto da Visão, que funciona na Av. Santa Rita de Cássia, 239, no bairro do Farol, em Maceió. Contato: (82) 2121-6868.