COMPORTAMENTO
Colorir é o novo detox digital
Livros para pintar viram refúgio para jovens e crianças que buscam relaxar e se desconectar do excesso de telas


Em tempos de excesso de telas e notificações constantes, uma atividade simples e analógica tem ganhado destaque no cotidiano de crianças e adultos: colorir. Livros de pintar, como os da marca Bobbie Goods, têm se transformado em verdadeiros aliados do bem-estar, promovendo momentos de concentração, criatividade e tranquilidade em meio à rotina agitada.
A moda que toma conta das prateleiras de livrarias e lojas de variedades não é nova. Há dez anos, eram os adultos que se divertiam e se desconectavam das telas colorindo mandalas e imagens que traziam paisagens cheias de pequenos detalhes, nas obras “Jardim Secreto” e “Floresta Encantada”, mostrando que o sucesso desses livros vai muito além do universo infantil.
Com traços delicados e temas variados, agora esses livros de colorir - feitos inicialmente para crianças - conquistaram mais uma vez os jovens e adultos, que encontraram neles uma forma acessível de aliviar o estresse, se desconectar e desacelerar a mente. Em vez de rolar a tela do celular, muitos têm preferido mergulhar no universo de cores dos lápis e canetinhas.

Entre as crianças, o encanto é imediato: longe das luzes e sons dos tablets, elas voltam a exercitar a coordenação motora e a imaginação de forma mais livre. Pais e educadores relatam ganhos na concentração, no foco e até no vínculo entre adultos e pequenos, quando a atividade é feita em conjunto.
A proposta é simples, mas poderosa: voltar ao básico e redescobrir o prazer das coisas feitas com as mãos. A repetição dos movimentos, a escolha das cores e o silêncio que acompanha o momento criam um espaço de pausa em meio à correria do dia a dia, se tornando uma poderosa alternativa, leve e terapêutica, para o bem-estar cotidiano.
A fisioterapeuta Karen Wanderley conta que sempre incentivou os filhos Bárbara, de 6 anos, e Audy, de 4 anos, a fazerem atividades manuais, como a pintura. O surgimento dos livros para esse fim só reforçaram ainda mais esse estímulo.
“Sempre incentivei atividades manuais aqui em casa, como massinha, aquarela, livros de pintura, desenho livre, uso do giz de cera ou até mesmo pintar o chão da garagem com giz branco. Meus filhos amam desenhar e, com o surgimento dos livrinhos de Bobbie Goods, já comprei pra eles porque sabia que daria certo por aqui”, afirmou.

Karen destaca que o tempo das crianças em tela sempre foi controlado na casa dela e que outras atividades estão sempre presentes. A pintura é o recurso utilizado, por exemplo, quando as crianças precisam esperar por algo, como quando estão em um consultório médico, em uma viagem ou em um restaurante. Uma maneira de passar o tempo de forma leve, criativa e desconectada.
E mais do que estimular, Karen também participa da atividade, fortalecendo o vínculo com os pequenos e esquecendo, por alguns momentos, os problemas do dia a dia.
“Eu amo participar de todas as atividades de pintura, desde sempre. Além dos livrinhos de colorir que sempre tivemos, costumo imprimir desenhos para eles pintarem. Agora com a moda, comprei também o meu livrinho. Então, sentamos cada um com o seu e pintamos juntos, conversamos sobre formas de pintar, como cada um prefere, e também outros assuntos aleatórios. É o nosso momento juntos”, afirma.
Atuando como fisioterapeuta pediátrica, ela conta que, muitas vezes, imprime desenhos para pintar com os pacientes no consultório sempre que percebe que eles têm interesse. “É uma forma de reforçar as atividades realizadas. Nesse contexto, os livrinhos do estilo Bobbie Goods também entraram no meu consultório nesse momento. Acredito que os livros de pintura estimulam a criatividade, a paciência, a coordenação, a concentração e, além disso, diminui o imediatismo que vivemos no mundo de hoje. Ajuda a desacelerar”, conclui.

A psicóloga Priscila Gusmão Accioly, de 35 anos, concorda e ressalta o quanto os livros de colorir estimularam a filha dela, Lillian, de 6 anos, a desenvolver outras habilidades, além da pintura.
“No início, eu acreditei que seria como todos os livrinhos de pintura que ela tinha. Mas desta vez foi diferente, pois a diversão vai além do colorir. Ela quer aprender técnicas, trocar ideias com os amigos, reconhece a variedade de tons nas cores, aprende sobre como fazer combinações, degradês, texturas e até mesmo a personalizar os temas dos desenhos. Ela costuma pintar nas horas livres, mas hoje dedica muito mais tempo à pintura do que antes”, afirma a mãe.
Além disso, Priscila percebe que Lillian está mais paciente e hoje consegue parar e esperar por alguma coisa com mais calma. Melhorou também a coordenação motora e tem conseguido escrever com mais zelo e capricho. “O que era para ser uma simples atividade de colorir, conseguiu explorar ainda mais o potencial criativo dela, com a possibilidade de criar novas cores, texturas e temas. Já o tempo que ela passa produzindo cada detalhe, com paciência e cuidado, ajudou muito na concentração”, conta.
Priscila é outra mãe que também aderiu à moda e tem colecionado momentos incríveis pintando junto com a filha. Mais do que a atividade de colorir, passou a ser um tempo de qualidade e de atenção plena.
“Eu sempre gostei de atividades artísticas e agora não seria diferente, tive que entrar na onda também. Mas nossos momentos juntas, pintando, estão sendo melhores do que imaginei. Tiramos um tempinho somente para nós, trocamos ideias, nos divertimos com muita presença, conversamos sobre a pintura, mas também sobre outras coisas, sem distrações. Pintar acabou se tornando um hobbie em comum nosso. Neste momento eu consigo me desligar de trabalhos, de obrigações e do celular para me dedicar à nossa atividade juntas. Na correria do dia, às vezes não percebemos que, por mais que estejamos juntos dos nossos filhos, não estamos totalmente presentes, dando a atenção que eles precisam. No nosso momento de pintura tem conversa, escuta, sorrisos, conexão, admiração e atenção total ao que estamos fazendo”, fala.
E o comportamento fora de casa também mudou para melhor e as telas passaram a ocupar um segundo plano na rotina da pequena. “Mesmo monitorando o tempo de tela, havia reclamações na hora de parar. Após os livrinhos, ela reduziu espontaneamente o tempo que passa nas telas, não faz questão de passar tanto tempo, prefere ficar pintando do que assistindo. Quando saímos de casa, ao invés de levar o tablet para se distrair, ela leva o livrinho e as canetinhas”, relata.

PINTURA TAMBÉM PARA OS JOVENS
A estudante Ana Júlia do Nascimento, de 16 anos, conheceu a moda do Bobbie Goods por meio do Tik Tok e, inicialmente, achou uma “besteira”, mas depois de colorir o livro de uma amiga pela primeira vez, gostou bastante e hoje faz coleção.
Ela conta que, durante a semana, pinta sempre quando não está dedicada às coisas da escola. Já aos fins de semana, quando está mais livre, a pintura é garantida. Assim também aconteceu nas últimas férias, quando colorir se tornou a principal atividade e motivo para se reunir com as amigas.
“Eu percebi que os livros alimentam muito a criatividade, e como fico em silêncio enquanto estou colorindo e começo a me concentrar apenas nisso, minha concentração também melhorou na escola. Me fez ver que existem outras formas de entretenimento, não somente telas, mas hobbies que me ajudam na concentração e me incentivam a pensar de forma diferente, me estimulam de forma menos viciante. Isso me faz querer ver menos telas, focando nas pinturas e na criatividade. Eu vivia na frente do celular e da televisão, e isso acabou se tornando algo que nem me deixa entretida mais”, afirma.

MUITOS BENEFÍCIOS
A psicóloga Ellen Quintella fala sobre os benefícios da atividade de colorir e evidencia o fato de ser algo que não envolve tecnologia, mas que consegue manter o público entretido, podendo funcionar como um meio de regulação emocional em momentos onde emoções muito desconfortáveis se fazem presentes, haja vista que o foco atencional é direcionado para outra situação, o que permite que a “onda” da emoção passe. “Além disso, há benefícios cognitivos também, pois durante a pintura trabalha-se atenção sustentada, o planejamento, a organização visuoespacial e a resolução de problemas”, afirma.
Ela explica que colorir pode ajudar no desenvolvimento da concentração e da paciência. Isso ocorre pelo fato de não ser uma atividade onde a recompensa é instantânea, pois é preciso percorrer um processo de execução de funções executivas do cérebro para, então, ter a recompensa final que, no caso, é o desenho completamente pintado. “Isso faz com que a gratificação da atividade seja adiada e esta é uma habilidade que pode ser generalizada para outros momentos da vida”, pontua.
Ellen destaca ainda que a utilização das telas é uma realidade que, quando bem aproveitada, pode trazer impactos positivos para a vida de jovens e crianças, mas ressalta que os prejuízos causados pelo uso excessivo desses eletrônicos são inúmeros. Por isso a importância de buscar outras atividades.
“Os impactos positivos do uso de telas estão no fato de que os jovens podem se conectar com mais pessoas e fortalecer laços da vida real no meio digital, podem usufruir de maior acesso à informação no geral, além das facilidades em atividades que antes demandavam mais tempo – como fazer compras, ir ao banco etc. No entanto, quando usada de forma demasiada, a tela pode servir como uma fuga das interações do mundo real, principalmente nos casos onde há ansiedade, trazer prejuízo ao desenvolvimento infantil, além de prejudicar o desenvolvimento ou fortalecimento de habilidades socioemocionais e cognitivas”, explica, ressaltando que os livros de colorir são outro tipo de ocupação, que ajudam a estimular a atividade cerebral.