NOVO MATERNAR
Do parto ao colo: a revolução silenciosa da maternidade consciente
Desmame gentil, diálogo e apego se tornam marcas de mães que ignoram críticas e pensam no bem-estar


Há uma nova forma de maternar ganhando espaço. Mais afetiva, mais consciente e, acima de tudo, mais conectada com as necessidades reais da criança e da mulher. Termos como “desmame gentil” e “criação com apego” saíram dos círculos alternativos e chegaram a consultórios, redes sociais e rodas de conversa entre mães, que agora colocam tudo em prática. Não se trata de modismos, mas de uma mudança de mentalidade que busca resgatar o protagonismo da mulher e o vínculo na criação dos filhos, questionando práticas que, por muito tempo, foram naturalizadas sem reflexão.
Essa nova geração de mães, muitas vezes hiperconectadas, tem se apoiado na informação e no acolhimento para construir uma maternidade com mais escuta, mais colo e menos culpa. Respeitar o tempo do bebê para se afastar do peito e criar vínculos profundos desde os primeiros dias de vida são atitudes que revelam não uma maternidade idealizada, mas possível, cheia de erros, ajustes e muito aprendizado ao longo do caminho.
Essa virada de chave, no entanto, não acontece sem desafios. As mães que optam por caminhos mais conscientes muitas vezes enfrentam resistência, seja de familiares, de profissionais de saúde ou até de outros pais. São julgadas por amamentar “por tempo demais”, por não deixar o bebê “chorar para aprender” ou por escolher um parto fora do modelo tradicional. Nadar contra a corrente exige preparo emocional e, principalmente, rede de apoio. E é justamente nessa rede, composta por grupos de mães, profissionais empáticos e informação confiável, que muitas encontram força para seguir de forma coerente com seus valores.

DIÁLOGO QUE EDUCA
Mãe de Levi, de 4 anos, de Lua, de 2 anos, e aguardando ansiosa a chegada do terceiro, o Liam, Vaneska Severo, de 28 anos, costuma compartilhar parte da rotina com os filhos nas redes sociais, mostrando não só o lado bom, mas também as dificuldades que encontra na difícil missão de educar. Na casa dela, o diálogo é a base para colocar limites e estabelecer regras que precisam ser seguidas.
“A educação dos meus filhos é a minha maior missão e responsabilidade, então eu procuro sempre cuidar, compreender e ensinar a eles de forma respeitosa para que se tornem seres humanos bons. E para isso eu preciso impor minha autoridade como mãe, colocando limites e regras, mas priorizando sempre o diálogo”, afirma.
Mais do que um novo modelo de maternar, o que se vê é um convite ao resgate: do instinto, da conexão e do tempo. É uma maternidade que valoriza o vínculo, mas também reconhece os limites de cada mulher. Não se trata de romantizar a experiência, mas de buscar um equilíbrio possível entre as necessidades do bebê e as da mãe, que também precisa ser cuidada.
Apesar da rotina puxada, de dar conta dos filhos, da casa e do trabalho, Vaneska sabe que também precisa se priorizar e manter uma rotina de autocuidado, pois para que as crianças estejam bem, ela também precisa estar. Para isso, o momento de praticar exercício físico é inegociável e, somente agora, na reta final da gestação, ela precisou dar uma pausa na atividade física. “Eu também sou minha prioridade. E entendo que para meus filhos estarem bem, eu preciso estar bem e, por isso, preciso cuidar de mim”, destaca.
Experiente na arte de maternar, Vaneska conta que amamentou os dois primeiros e também pretende amamentar o terceiro. O momento do desmame foi diferente para cada um dos filhos, mas sempre esteve pautado no respeito à vontade dos dois - mãe e criança.
“O desmame do meu primeiro filho foi mais cedo, com 5 meses. Na época, havia acabado minha licença maternidade e eu ficava o dia inteiro longe, com isso, ele mesmo foi perdendo o interesse. Já com a Lua, ocorreu após 2 anos, depois de um processo mais longo, que exigiu esforço e paciência. Eu optei pelo diálogo, explicando sempre para ela, em todas as mamadas, que já estava na hora dela parar de mamar, pois já não precisava mais, já estava crescendo e eu já estava cansada. Aos poucos, com muita persistência, fui plantando essa sementinha no subconsciente da Lua, até que ela foi compreendendo e, aos poucos, o desmame aconteceu”, conta.
Vaneska também é uma mãe que ignora as críticas alheias e faz o que acha certo para educar os filhos da melhor maneira. Na visão dela, o apego não só é necessário, mas essencial na criação, considerando que, para os filhos, as mães são muito mais do que um apoio, são um porto seguro.
“Acredito que o apego é necessário e essencial na criação, pois somos o mundo para nossos filhos e estar perto, dar muito colo, é uma forma deles se sentirem seguros e faz com que criem um senso de pertencimento”, afirma.
E é pensando não só nas necessidades das crianças - independentemente da idade que elas estejam -, mas também nas vontades dela, que Vaneska tenta afastar as culpas tão comuns quando se fala em maternidade. Ela diz, inclusive, que a maternidade a ensinou a se enxergar o próximo com mais amor e respeito.
“Ao contrário do que ouvimos por aí, hoje eu acredito que não precisa nascer uma mãe e, junto com ela, nascer uma culpa. Afinal, a maternidade não vem com um manual. Nós aprendemos a ser mães na prática! E mesmo me cobrando muito, e a culpa ainda me pegando em alguns momentos, hoje eu sei que erros e acertos fazem parte do processo. E entender isso me fez enxergar a maternidade de uma maneira mais leve. A maior lição que aprendi ao me tornar mãe foi a de que eu sou capaz e sou suficiente para minha família, mesmo com minhas imperfeições e inseguranças”, completa Vaneska, que sempre procura se informar sobre o assunto em páginas de profissionais com os quais se identifica.

BENEFÍCIOS
A enfermeira pediatra Vitória Lira, de 29 anos, destaca que as mudanças na forma de enxergar a maternidade, algo que tem ocorrido nos últimos anos, são necessárias e benéficas não só para os bebês e crianças, mas também para as mães, pois as práticas humanizadas desde o nascimento, que perduram durante a criação, resultam em crianças com menos problemas de saúde, sejam eles físicos ou emocionais.
A forma de educar, dando voz e vez para que as crianças falem o que pensam e sentem, para a especialista, é uma das transformações mais positivas que ocorreram nos últimos tempos, quando o assunto é maternar.
“Acredito que a forma de educar seja uma das mudanças que mais me chamam atenção. Antes se tinha uma ideia e uma forma de educação diferente do que estudos sugerem hoje. Então, essa forma de educar, seja a educação positiva como alguns denominam ou simplesmente o fato de ouvir mais e dar mais voz à criança, é revolucionário”, afirma Vitória, que é mãe de dois.
Ela explica que o desmame gentil é o que respeita o tempo que a criança precisa para poder desapegar da amamentação, e a mãe tem um papel crucial nisso: o de fazer o filho entender que a segurança que ela proporciona vai continuar ali.
“O desmame gentil vai respeitar o tempo que a criança precisa para poder desapegar do peito. A amamentação não se restringe à alimentação. Ela é vínculo, é apego, é segurança. Então o desmame gentil busca oferecer para a criança outras formas de segurança, de apego. A mãe nesse processo precisa mostrar para a criança que ela vai estar ali sempre. O ideal é respeitar o tempo e o ritmo, mas lembrando que se a mãe tem como objetivo realmente fazer o desmame, ela precisa ir oferecendo os meios para que a criança se sinta segura sem, necessariamente, estar mamando. A parada brusca é o principal erro. É como se fosse um elo quebrado. A criança não entende. O corpo da mulher também não. Pode levar a ingurgitamento mamário e mastite. E para o bebê/criança pode causar problemas emocionais e até rejeição de outros alimentos”, destaca Vitória.
A especialista ressalta ainda que a criação com apego, que satisfaz as necessidades emocionais do bebê, melhora e fortalece o vínculo entre mães e filhos, ajudando no desenvolvimento e facilitando o surgimento de diversas habilidades, que muitas vezes só surgem quando a criança cresce, mas que são frutos da criação ofertada desde o nascimento.
“Colocar o bebê no colo, em contato pele a pele, direto. Não deixar o bebê chorar por motivo aparente. Amamentação. Tempo de qualidade, seja para brincar, ler, caminhar ou fazer outra atividade juntos”, exemplifica.

Mãe de primeira viagem, Júlia Fragoso, de 27 anos, vive um novo momento há quase três meses, com a chegada da pequena Cecília. Passando por um dos períodos mais difíceis da maternidade, quando mãe e filha tentam se acostumar a todas as mudanças, ela diz que, sempre que consegue um tempo livre, busca fazer algo que a deixa feliz e relaxada.
“Acredito que é necessário haver um equilíbrio em relação aos cuidados do bebê e o autocuidado. Os primeiros meses são bem intensos, o bebê ainda está tentando entender o que está acontecendo, por isso depende muito da mãe. Nem sempre esse equilíbrio dá pra ser 50%/50%. E tudo vai depender da necessidade do momento da mãe e do bebê. Atualmente, estando de licença maternidade, passo o dia integralmente com ela. Então busco cuidar e aproveitar ao máximo. Mas quando ela está dormindo ou tenho alguém da minha rede de apoio, tento descansar, tomar um banho relaxante ou assistir algo que eu gosto”, fala.
Júlia tem amamentando Cecília e pretende fazer isso até, pelo menos, os dois anos de idade. Passou pelos ajustes necessários para que o momento pudesse ser prazeroso para as duas e, hoje, tem sido sinônimo de conexão entre mãe e filha.
“A amamentação é uma doação da parte da mãe. É um momento de se conectar e oferecer carinho ao bebê. Em breve retornarei ao trabalho, então pretendo estocar o leite para que seja ofertado durante o dia e utilizar o meu intervalo para voltar para casa e amamentar. Em relação ao desmame, tentarei fazer de forma consciente com ela, no nosso tempo, para que seja benéfico tanto para Cecília quanto pra mim”, fala.
Adepta da criação com apego, Júlia diz que faz e sempre fará de tudo para que a filha se sinta segura e amada. “Penso que o bebê precisa se sentir amado e acolhido. E que nós mães também merecemos isso, uma vez que esse momento de troca é bom para ambos. Jamais seguirei o conselho antigo que existe de ‘deixar chorar’. Hoje, o choro é a forma de comunicação dela. Imagina tentarmos expressar nossas necessidades para quem amamos e sermos ignorados? Ninguém gosta ou quer isso. E porque agiríamos dessa forma com um bebê que é um ser indefeso? Vale ressaltar que o colo e carinho não precisa ser só da mãe. O pai e a rede de apoio também devem fornecer isso. Quero que minha filha cresça se sentindo amada e acolhida pela família dela. Então ela recebe muito amor, colo, carinho e acolhimento. Ela crescerá mais feliz dessa forma”, diz.
Sobre a culpa, Júlia diz que busca dar o seu melhor, dentro das condições que tem e isso ajuda a diminuir parte do “fardo” que toda mãe carrega. Entrando no terceiro mês de Cecília, ela ressalta que já já estará de volta ao trabalho e que, para que tudo se torne mais leve, pensa nos motivos que tem para trabalhar e em tudo o que quer oferecer à filha.
Mais do que seguir regras ou receitas prontas, maternar hoje é, acima de tudo, um exercício diário de escuta, do filho, de si mesma e do próprio instinto. Em meio a pressões sociais, julgamentos e desafios reais, muitas mulheres têm escolhido trilhar caminhos mais conscientes e afetivos, resgatando o vínculo como base da criação. Não se trata de perfeição, mas de presença. De saber que o colo, o diálogo e o cuidado consigo mesma também fazem parte da educação. E que, no fim das contas, cada mãe vai construindo sua própria forma de maternar: possível, imperfeita, mas profundamente conectada com o que realmente importa.