ARTETERAPIA
Desacelerar com as mãos
Cerâmica ganha espaço como escape do ritmo acelerado e mostra que criar também é uma forma de cuidar da mente


Escape é a palavra que define o alívio mental provocado pelas práticas artesanais. Com o bombardeio de informações e a rotina cada vez mais agitada, muitas pessoas procuram um passatempo longe das telas. As atividades manuais conseguem transportar para um lugar mágico, um refúgio do mundo acelerado.
A exposição excessiva a telas digitais mantém o cérebro em constante estímulo, e hobbies offline se mostram como um respiro, pois diminuem a produção de cortisol, o hormônio causador do estresse. “As notificações, a luz azul e a rolagem infinita causam fadiga mental e dificuldades na concentração. As atividades offline, como desenhar, tocar um instrumento, cozinhar ou fazer cerâmica, vão ajudar a desacelerar e a recuperar o foco”, explica o psicólogo Carlos Gonçalves.
O ato de pôr a ‘mão na massa’, além de estimular a criatividade e possibilitar a criação de peças personalizadas, também tem um efeito terapêutico, a chamada arteterapia. Na cerâmica, o sensorial e a conexão do ceramista com sua obra produzem um sentimento único e liberam doses dos hormônios do bem-estar, serotonina e dopamina.
A cerâmica é uma técnica milenar, mas você não precisa de anos de prática para fazer algo como uma xícara e presentear alguém especial. Os ateliês facilitam o acesso a essa arte, revelam o prazer de modelar o barro e oferecem apoio desde o início, transformando os alunos em verdadeiros ceramistas.

O ceramista Paulo dos Anjos, dono do Dos Anjos Studio, conta que sua ideia inicial não era ensinar. Seu trabalho se limitava à venda de peças e encomendas, mas a insistência de amigos que queriam aprender a arte o estimulou a montar um estúdio de aulas. "Toda vez que algum amigo ia me visitar e sabia que eu fazia encomenda, perguntava sempre se eu dava aula. Então, fui levando esses amigos a fazerem uma peça", conta.
O perfil de pessoas que procuram o estúdio é muito variado e vai de jovens de 17 anos a idosos de 89. O que há em comum é que todos veem a arte como um estilo de vida. No estúdio, aprendem novas formas de se expressar e notam os benefícios terapêuticos da prática pessoalmente. O que mais gostam de criar são objetos decorativos, como vasos, centros de mesa, louças e xícaras. Cada um com seu toque pessoal e afeto envolvido. Além disso, os alunos gostam de presentear suas criações.
A arquiteta Eduarda Omena, monitora do ateliê, defende que o espaço também é um lugar de troca e socialização, um laboratório efervescente de criatividade. “Amo ensinar as pessoas que chegam, é muito bom trocar ideias, conhecer gente nova, fazer amizades e deixar esse momento fluir. É um mundo incrível, os clientes chegam com muitas ideias diferentes. Mergulhar nesse mundo lúdico é minha paixão”, afirma.

Além das aulas mensais, o Dos Anjos Studio, em parceria com o Maceió Shopping e outros ateliês, promove exposições das peças dos alunos, transcendendo a experiência artística para além do ateliê. O projeto é um excelente estímulo para os ceramistas, que enxergam seu potencial criativo e, assim, promovem a valorização do trabalho artesanal. "Eu jamais imaginaria que a cerâmica me levaria a uma exposição no shopping. Foi um momento muito especial e emocionante para mim. Poder dividir isso com grandes amigos que conheci na cerâmica e apresentar para meus familiares e amigos é gratificante", relata a aluna Maria Clara Barbosa.
A sensação de prazer e realização sentida pelos alunos está relacionada ao fato de enxergarem uma ideia se materializar. Segundo o psicólogo, é justamente este processo de criar algo concreto com as próprias mãos que melhora o humor e a autoestima. A conquista de moldar o barro libera dopamina e serotonina, neurotransmissores ligados a essa sensação de prazer e realização, reduzindo, assim, os níveis de estresse e ansiedade.

Assim como Paulo, Márcia Oliveira não pensava em fundar uma escola de cerâmica. Desde 2008, a cerâmica faz parte de sua vida, mas foi em 2018, já aposentada, que ela se mudou para Maceió e decidiu abrir um ateliê para se profissionalizar. No entanto, o grande interesse das pessoas em aprender o processo de modelagem da argila deu vida ao Ocre Ateliê-Escola e laboratório artístico de cerâmica.
A pandemia foi responsável por um boom na atividade com cerâmica. No ócio, as pessoas aproveitaram o tempo para aprender coisas novas, o que rendeu ao ateliê de Márcia novos alunos, que levaram a prática à frente mesmo após a quarentena. “Acho que teve um crescimento crescente da cerâmica nos últimos tempos, mas acho também que, como foi na culinária, é um modismo, e ele vai passar. Vão ficar as pessoas que realmente gostam daquilo, gostam de lidar com aquilo”, observa Márcia.

No Ocre, a maioria dos alunos é composta por pessoas mais velhas que já têm familiaridade com a arte e estão continuamente aprimorando suas técnicas, acumulando novas experiências e potencializando a criatividade.
O fazer da cerâmica não é um processo rápido, sendo a paciência o elemento central para a criação de uma boa peça. O processo exige tempo e cautela em todas as etapas: preparação da argila, modelagem, cozimento, secagem da peça, esmaltamento e colocação no forno. A falta de paciência pode ser refletida na obra.
O diferencial do Ocre é que, além de um ateliê, ele é também um laboratório, um lugar onde aluno e profissional estão sempre explorando ideias, fazendo experiências, misturando cores e matérias-primas diferentes, testando novas formas e modelagens.
“Um ateliê laboratório é um espaço de exploração de novas técnicas, de desenvolvimento de cada aluno. Eu não só dou aula de confecção de utilitários, aqui priorizamos a exploração”, destaca Márcia. “Se um aluno deseja uma cor exata, nós vamos fazer esses testes juntos. Eu acho isso muito interessante e é a característica que eu quero conservar no ateliê”, diz.
Os benefícios da arteterapia
As telas do celular, computador e TV mantêm o cérebro em constante estímulo. São notificações, luz azul e rolagem infinita, o que acaba causando fadiga mental e dificuldade de concentração. Por isso, ter um hobby offline, como desenhar, tocar um instrumento, cozinhar ou fazer cerâmica, é fundamental. Essas atividades artísticas ajudam a desacelerar, recuperar o foco e aliviar o estresse.

“No caso da cerâmica, o trabalho manual estimula a atenção plena, reduzindo a produção do cortisol, o hormônio relacionado ao estresse e ao mal-estar. Esses momentos longe das telas funcionam como uma verdadeira pausa mental, que reduz a ansiedade e promove bem-estar”, afirma o psicólogo Carlos Gonçalves.
Além dos benefícios psicológicos, as atividades manuais também trazem ganhos físicos. Elas ajudam a combater o sedentarismo causado pelo tempo em frente a telas, melhorando o sono, o sistema cardiovascular e até as funções cognitivas.
Na arteterapia, por exemplo, a argila é usada como ferramenta para aliviar a ansiedade e a tensão. Quando a pessoa se entrega à prática, ela se envolve, se concentra e é ‘seduzida’ pela atividade. Isso estimula a concentração, o foco e a resolução de problemas, já que o trabalho com a argila exige ajustes, correções e paciência.
“A arteterapia, portanto, ajuda a canalizar emoções, sendo muito benéfica para quem lida com estresse, irritação ou ansiedade. É uma verdadeira conexão entre corpo e mente”, explica Carlos Gonçalves.
