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TECNOLOGIA

Afeto artificial: como IAs estão mudando a forma de amar dos jovens

Especialistas alertam que adolescentes que criam laços com IAs tendem ao isolamento, à dependência emocional e à perda de vínculos reais

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Conversar com IA se tornou um hábito para muitos adolescentes, mas é preciso estar atento
Conversar com IA se tornou um hábito para muitos adolescentes, mas é preciso estar atento | Foto: Divulgação

Conversar com chatbots e aplicativos que simulam relacionamentos deixou de ser curiosidade para se tornar parte da rotina de muitos adolescentes. Um estudo publicado na edição 2025 da revista Computers in Human Behavior Reports mostra que o envolvimento emocional com inteligências artificiais pode gerar impactos profundos na formação social e afetiva dos jovens.

A pesquisa foi conduzida com 324 adolescentes entre 13 e 17 anos, que participaram de experimentos simulando conversas com diferentes tipos de inteligências artificiais. Eles foram divididos em grupos: alguns interagiram com chatbots programados para respostas neutras, enquanto outros usaram versões que simulavam empatia e vínculo afetivo.

Após duas semanas de uso contínuo e alguns testes, os resultados mostraram que os participantes que criaram laços emocionais com a IA apresentaram menos interesse em interações humanas, aumento no tempo de tela e sinais de solidão e dependência emocional.

Quando o conforto vira isolamento

O psicólogo Eugênio Brajão explica que a busca por esse tipo de companhia está relacionada à timidez, insegurança e medo de rejeição. A IA cria uma sensação ilusória de acolhimento, em que o jovem se sente compreendido e aceito.

O “conforto” faz com que o adolescente se acostume a uma convivência artificialmente perfeita, em que tudo é previsível e controlável — essa sensação de segurança que se transforma em dependência.

O adolescente passa a buscar a IA sempre que está frustrado, triste ou ansioso, e gradualmente abandona interações com colegas, familiares e professores. Para Brajão, esse afastamento tem efeitos profundos.

“A perda do convívio real diminui a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores relacionados ao prazer e à motivação. Sem vínculos reais, o jovem perde o prazer de viver experiências. E o isolamento, se mantido por muito tempo, abre espaço para quadros graves de depressão e ansiedade”, explica.

Consequências cognitivas e afetivas

Além dos efeitos emocionais, a convivência constante com IAs também afeta a cognição. A pesquisa citada aponta que jovens que usam a tecnologia como principal meio de expressão apresentam redução na memória, na criatividade e na capacidade de resolução de problemas.

O uso da IA para decisões cotidianas - desde o que vestir até como agir em situações sociais - diminui o senso de autonomia e a autoconfiança. O jovem deixa de experimentar o erro e, consequentemente, de aprender com ele. Essa limitação, segundo Brajão, reflete na construção da identidade e na forma de perceber o próprio valor.

A perda de empatia é outro ponto crítico. Ao se relacionar com uma entidade programada, o adolescente não precisa interpretar emoções ou se colocar no lugar do outro. Com o tempo, passa a replicar esse padrão em relações humanas, demonstrando menos sensibilidade e compreensão.

Famílias devem agir com empatia e limites claros

A educadora parental Ana Luisa Meirelles reforça que a reação das famílias deve ser guiada pela escuta e pela empatia. “As IAs costumam preencher lacunas emocionais reais, como solidão e necessidade de validação”, afirma.

Ela explica que o confronto direto tende a agravar o problema. O ideal é conversar sobre o assunto de forma aberta, demonstrando interesse genuíno pela experiência do adolescente. Perguntas como “o que você mais gosta nessa conversa?” ajudam a compreender o que o jovem busca emocionalmente.

Ana Luisa destaca que o uso da IA não deve ser demonizado, mas precisa de limites claros. Conversas virtuais devem acontecer em locais comuns da casa, com tempo de uso definido e acompanhamento dos pais. “O equilíbrio está em permitir a tecnologia, mas reforçar o valor da convivência real”, observa.

Ela recomenda que a família proponha atividades que despertem prazer e vínculos humanos — como passeios, esportes, música, jogos ou projetos coletivos. Essas experiências devolvem o senso de pertencimento e fortalecem o vínculo entre pais e filhos.

Educação emocional e vínculos reais como antídotos

A educadora também defende que pais e responsáveis falem sobre o valor da vulnerabilidade — algo que a IA não oferece. Relacionamentos humanos envolvem erros, divergências e desconfortos, mas são justamente essas experiências que ensinam empatia e maturidade emocional. Segundo ela, é papel dos adultos mostrar que o afeto verdadeiro exige reciprocidade, paciência e tempo.

“A IA é previsível e sempre concorda. Mas o crescimento emocional acontece quando o jovem aprende a lidar com o que é imperfeito, real e vivo”, explica.

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