Tribunal toma partido do eleitor
DORA KRAMER A primeira reação dos partidos à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de obrigar as coligações partidárias regionais a acompanhar os acordos nacionais mostra que nem sempre o que é bom para a sociedade é bom para os políticos. Ou vice
Por | Edição do dia 01/03/2002 - Matéria atualizada em 01/03/2002 às 00h00
DORA KRAMER A primeira reação dos partidos à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de obrigar as coligações partidárias regionais a acompanhar os acordos nacionais mostra que nem sempre o que é bom para a sociedade é bom para os políticos. Ou vice-versa. À exceção de um ou outro, entre os quais o presidente da Câmara, Aécio Neves - que consegue enxergar para um horizonte além das próprias conveniências políticas - a maioria caiu na histeria pânica ao ver, de repente, desmontados seus acertos, cujo alvo não era o eleitor, mas a sobrevivência de cada um. Querem recorrer ao Supremo, e há até quem fale em criar, de propósito, uma crise institucional via edição de um decreto legislativo que se sobrepusesse à decisão da Justiça Eleitoral. Péssimo exemplo. Políticos vendo ameaçadas suas conveniências não hesitam em pensar na instalação do caos institucional, do conflito entre poderes. Excelente será que o eleitorado preste bem atenção naqueles que consideram uma violência ou uma interferência absurda a atitude do TSE de, pela primeira vez em muitos anos, tomar providência no sentido de modernizar e organizar nosso sistema político-partidário. Defensor dessa organização desde que foi deputado constituinte, o hoje presidente do TSE, ministro Nelson Jobim, fez valer uma interpretação juridicamente consistente da legislação de 1997 que obriga a similaridade das coligações estaduais e municipais, aplicando-a ao cenário federal. Baseado em dois fatores muito nítidos: o caráter nacional dos partidos, estabelecido em lei, e o fato de a circunscrição de uma eleição presidencial ser o país inteiro. Daí a obviedade de a regra ser aplicada de forma ampliada. Já os partidos, que reclamam da decisão, argumentando que a norma não foi considerada para a eleição de 1998 e que o tribunal não pode mudar as regras com o jogo em curso, apenas recorrem a sofismas. São eles mesmo que adiam há anos a reforma política, pois não querem mudanças que lhes ameacem a condição de valer-se da desorganização para agirem como bem lhes aprouver, ao arrepio da coerência partidária. A regra não foi aplicada em 1998 porque a Justiça age por provocação e, à época, ninguém pediu ao tribunal uma interpretação da lei, como fez em agosto do ano passado o deputado Miro Teixeira, do PDT. Em segundo lugar, não se sustenta essa argumentação de mudança de normas no meio do jogo porque, além de a lei ter cinco anos de existência, do ponto de vista legal o jogo sucessório para 2002 ainda não começou. Se os partidos resolveram antecipá-lo por razões políticas, não é um problema que pertença à alçada da Justiça. Faltam pouco mais de sete meses para a eleição, mas, ainda que o TSE tivesse tomado essa decisão em outubro do ano passado - um ano antes do pleito - a gritaria seria a mesma. Simplesmente porque a origem dela não guarda relação com prazos, mas com procedimentos. Nenhum deles quer, agora, ou daqui a dez anos, abrir mão do direito ao vale-tudo, a ter uma posição nacional, outra estadual e uma diferente no municipal. E o eleitorado que se vire com questões menores como a coerência ideológica e programática. Portanto, são falaciosas as reações que apóiam a coincidência de coligações, mas não agora, e criminosas - do ponto de vista democrático - aquelas que indicam disposição à criação de uma crise institucional. Houvesse sinceridade de propósito nos discursos que defendem o aperfeiçoamento do sistema político-partidário, os partidos deveriam estar comemorando o fato de o TSE ter dado o primeiro e efetivo empurrão para o fortalecimento de nossas legendas e do mínimo respeito àquele que tecla seu voto na urna. No caso presente, não houve, por parte do TSE interferência alguma no processo eleitoral. Mas, sim, uma interpretação da lei em vigor que, isto sim, terá influência na eleição. E influência positiva, pois resulta em avanço do processo. (Extraído do Jornal do Brasil, Coluna Coisas da Política, edição de 28/02/2002).