Nacional
Lula diz que caixa dois é intolerável

Eduardo Scolese e Pedro Dias Leite Folhapress Brasília - Em entrevista de cerca de duas horas ontem ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou a prática de caixa dois em campanhas eleitorais, rotulando-a de intolerável, e afirmou que o deputado e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP), será cassado na Câmara não por fatos, mas por conta de um julgamento político dos parlamentares. Sobre a atual crise política, disse ter certeza que não existiu um esquema de mensalão no País. O programa, que foi ao ar no fim da noite de ontem, foi gravado no início da tarde no Palácio do Planalto. A reportagem apurou as declarações de Lula com os entrevistadores que participaram do programa. Segundo eles, o presidente disse que não poderia imaginar que o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, expulso da legenda no mês passado, fosse terceirizar as finanças do partido. A reação do presidente ontem aos esquema de caixa dois evidenciou uma mudança de opinião dele em relação ao tema. Em julho, quando veio à tona que algumas campanhas petistas haviam sido feitas com recursos não-contabilizados, o presidente afirmou em entrevista que tais práticas ocorrem sistematicamente no País. No programa de ontem, Lula ouviu uma questão que havia meses vinha sendo ensaiada pela imprensa, mas que, pelo fato de ele não conceder entrevistas, teve de ser adiada. Em agosto passado, numa pronunciamento a ministros, Lula disse que foi traído por práticas inaceitáveis das quais nunca teve conhecimento. Ontem, indagado sobre quem o traiu, preferiu não citar nomes e apenas falou em práticas nunca antes adotadas pelo PT. Questionado se Dirceu faz parte do rol de traidores, mais uma vez afirmou que não vale a pena citar nomes. A entrevista de ontem com o presidente marca os 19 anos e a milésima edição do programa da TV Cultura. Por conta disso, além do atual apresentador, Paulo Markun, a bancada de sabatinadores foi montada apenas com ex-apresentadores do programa - Augusto Nunes, Rodolfo Konder, Matinas Suzuki, Roseli Tardeli e Heródoto Barbeiro. ### Lula fala de CPIs, corrupção e aftosa FOLHAPRESS O programa foi gravado, mas telespectadores puderam enviar questões previamente - das 1.500 perguntas recebidas, 25% eram sobre corrupção. Na saída do Palácio, o apresentador, Paulo Markun fez menção indireta aos recentes atritos de Lula com a imprensa: Torço para que o presidente tome gosto pela coisa [de conceder entrevistas]. Ao falar das investigações do Congresso, o presidente disse ainda, segundo os relatos, que nunca tentou impedi-las e, ao mesmo tempo, acusou a oposição de adotar tais práticas, enquanto situação, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No entanto, em maio passado, o Palácio do Planalto trabalhou para barrar a instalação da CPI dos Correios. A tentativa caiu por terra depois que o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou a existência de um suposto esquema de pagamento de mesada pelo PT a deputados da base aliada. Ainda no assunto CPIs, Lula falou sobre o assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, tema de investigação da CPI dos Bingos, na qual, inclusive, seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho, já foi ouvido duas vezes. O Ministério Público de São Paulo afirma que a morte tem ligações com um suposto esquema de arrecadação de propina na cidade. Hoje, Lula disse acreditar que o prefeito de Santo André foi vítima de um crime comum. Sobre a eleição do ano que vem, Lula repetiu que ainda não definiu se será ou não candidato, afirmando estar preocupado em governar. Lembrou que foi, no passado, contra a tese da reeleição. O presidente também foi questionado sobre as recentes denúncias de que o governo cubano teria financiado parte de campanhas eleitorais petistas. Lula disse acreditar que se trata de uma denúncia inverossímil, por conta das dificuldades financeiras da ilha comandada por Fidel Castro. O presidente também citou a dificuldade de chegar a uma conclusão sobre isso pelo fato de um dos supostos envolvidos, Ralf Barquete dos Santos, ter morrido em 2004. Não se pode chegar a uma conclusão se tem uma pessoa morta, disse o presidente, de acordo com o relato de alguns dos entrevistadores. Na entrevista de ontem, Lula também foi questionado sobre o fato de a Telemar, concessionária de serviço público, ter injetado R$ 5 milhões na Gamecorp, empresa que tem um de seus filhos como sócio. O presidente respondeu que a empresa de seu filho, Fábio Luiz, é privada e tem todo o direito de receber investimentos dessa forma. Lula, segundo relato dos entrevistadores, disse que não participou das negociações Telemar-Gamecorp. O presidente também falou sobre os focos de febre aftosa no País, não admitindo precipitação quando afirmou que os focos em Mato Grosso do Sul estavam debelados, horas antes de outros pontos da doença terem sido confirmados no Estado. ### Acidente com comitiva de Lula mata três José Maschio Um acidente com um carro de apoio da comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou ontem três mortos. O acidente aconteceu no km 442 da rodovia Raposo Tavares, durante trajeto da comitiva presidencial do aeroporto de Assis (427 km a oeste de São Paulo) até a subestação da concessionária ATE Transmissora de Energia no município. Segundo André Singer, porta-voz da Presidência, o motorista do carro de apoio, um Meriva, teria sofrido um enfarto, provocando o acidente. O carro, desgovernado, chocou-se com violência contra um barranco da rodovia. O sargento do Exército Everaldo Bastos Rodrigues, e o tenente Vlanderni do Nascimento, ambos da equipe de segurança presidencial, morreram no Hospital Regional de Assis. O motorista Louremir Luciano Carneiro, morador de Assis e que havia sido contratado para o evento, também chegou morto ao hospital. As três mortes foram confirmadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da presidência. Lula foi informado das mortes quando terminava seu discurso. Ele voltou ao microfone e lamentou a morte. ### Brasil e EUA pressionam União Européia Às vésperas da reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC), marcada para o mês que vem em Hong Kong, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que a estratégia brasileira e dos Estados Unidos de pressionar a União Européia a baixar seus subsídios agrícolas ocorre para evitar um fracasso?? geral. Anteontem, em encontro na Granja do Torto, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush (EUA) decidiram pressionar os europeus a melhorar sua proposta de redução de subsídios antes da finalização da rodada Doha na OMC. Os Estados Unidos dizem que podem avançar em sua proposta, desde que a UE faça o mesmo. Em rápida entrevista no Palácio do Planalto, na qual fez um balanço positivo da visita de 21 horas de Bush ao Brasil, o assessor especial da Presidência disse que um fracasso em Hong Kong pode criar uma situação de desordem?? no comércio mundial.