Nacional
Bicicleta alia economia e prazer

| Tania Neves Agência O Globo Rio de Janeiro - Pôr a cara para fora da janela e conferir se não está chovendo é a primeira providência diária da empresária Vera Sanmartin, dona de duas butiques de roupa feminina na Zona Sul. Dias de chuva são bons para os negócios, pois quando não dá praia todo mundo se enfia nos shoppings para gastar. Mas dias sem chuva são bons para ela, que monta em sua bicicleta e assim se locomove da Fonte da Saudade para a Tessera de Ipanema e à tarde para a loja do Shopping da Gávea. Se a chuva for fina eu ponho uma capa de chuva e tudo bem. Só vou trabalhar de carro debaixo de chuva forte, senão prefiro a bicicleta. Gosto de estar ao ar livre, e percorrer a orla da Lagoa todos os dias é um presente, um momento meu que aproveito para relaxar, conta Vera, há muito adepta da bicicleta. Outro que já tem na bicicleta sua marca registrada é o chef e triatleta Olivier Cozan. O homem tem uma verdadeira frota: bicicleta de corrida para os treinos na Rio-Teresópolis e nas estradas da Floresta da Tijuca, mountain bike para os deslocamentos na cidade e bicicleta de entrega, aquela com cestinha, que o mais carioca dos franceses toma dos funcionários quando tem crise de abstinência em pleno horário de trabalho e sai pedalando para fazer pessoalmente umas entregas. Essa bicicleta de entrega eu uso também para fazer compras aos sábados no supermercado: boto os dois filhos menores na cesta e eles ficam felizes da vida, conta Olivier, que mora no Leme, tem restaurante em Ipanema, freqüenta umas feiras livres aqui e ali, sempre sobre duas rodas. O chefe francês conta que em 11 anos de Rio sofreu uma tentativa de roubo da bicicleta, e pôs os ladrões para correr. A educação dos motoristas no trânsito é a única coisa que desestimula Olivier, e por isso ele procura andar sempre nas ciclovias. Os treinos puxados que costumava fazer na Barra foram transferidos para a Rio-Teresópolis e as estradas das Paineiras e da Vista Chinesa, onde raramente aparecem ônibus e caminhões e mesmo os carros são poucos. Na Barra os ocupantes dos carros lançam objetos na gente e há motoristas que jogam o carro em cima só para se divertir, reclama Olivier. Minha mulher foi atropelada assim, por pura brincadeira. ### Pedaladas para o trabalho não contam como exercício O gerente de marketing Leandro Pagnoncelli, de 26 anos, fez as contas: ir de carro para o trabalho todos os dias lhe custava um bom dinheiro em gasolina e estacionamento, além do estresse do trânsito. Se optasse pelo ônibus, encararia em média 40 minutos entre o Leme e o Centro no horário de rush, fora o cansaço e as manchas de suor na camisa logo de manhã. Assim ele acabou tirando a bicicleta da garagem e passou a gastar os mesmos 40 minutos de forma mais inteligente: pedalando e aproveitando um pouco mais a vida ao ar livre. Vou com roupa de ginástica, carregando minha pasta, uma muda completa de roupa para trocar, toalha e os apetrechos que preciso para o banho, conta Leandro, que usa diariamente o chuveiro na garagem do prédio onde trabalha, o Shopping Vertical da Rua Sete de Setembro, no Centro. E se algum dia resolve se estender numa happy hour ou emendar do trabalho numa saída à noite, ele não se aperta: conta com pelo menos dois endereços de pessoas que moram no Centro para guardar sua bicicleta e o kit banho. Apesar de ressaltar o bem-estar físico, Leandro não encara a atividade como uma ginástica regular. Há dias em que eu até dou um couro no pedal para suar um pouco mais, mas na maior parte das vezes eu vou é passeando, aproveitando para desestressar um pouco, diz ele. Até porque levo muito peso na bicicleta para encarar esse percurso como um treinamento físico. O médico Hélio Ventura, especialista em medicina do exercício, acha que toda atividade física deve ser incentivada, mas ele considera que tais percursos de bicicleta entre a casa e o trabalho não podem valer como a cota diária de exercício aeróbico que todas as pessoas deveriam fazer. Principalmente quem já vai vestido com a roupa de trabalho, que não pode se sujar nem suar muito, dificilmente empreenderá um ritmo de treino. Mas num mundo que convida o tempo todo ao sedentarismo, qualquer atividade que faça a gente se mexer um pouquinho mais é sempre benéfica, conclui o médico. Hélio Ventura chama a atenção para o risco de se fazer exercício aeróbico bem na hora e nos locais em que a poluição atmosférica mais se faz sentir. Ao expandir a capacidade pulmonar em meio às descargas de ônibus, automóveis e caminhões, o atleta absorve com mais intensidade os elementos tóxicos do ar poluído. Quem realmente pedala para se exercitar deve escolher locais e horários com menos poluição.