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Nº 5759
Opinião

Brasil em transe

A. SÉRGIO BARROSO * “Ao cretino fundamental, nem água”. (Nelson Rodrigues, entrevista de 1978). Soçobrava a escravidão feito alma penada e a velha República oligárquica fragmentava-se. Em busca da identidade nacional vieram dois gigantes nordestinos:

Por | Edição do dia 30/08/2002 - Matéria atualizada em 30/08/2002 às 00h00

A. SÉRGIO BARROSO * “Ao cretino fundamental, nem água”. (Nelson Rodrigues, entrevista de 1978). Soçobrava a escravidão feito alma penada e a velha República oligárquica fragmentava-se. Em busca da identidade nacional vieram dois gigantes nordestinos: o sergipano Manuel Bomfim e o pernambucano Gilberto Freyre. Vasculhando os escaninhos da Colônia, interrogavam-se: quem somos? Pioneiro na crucial questão, Bomfim, publicou “O Brasil na América” (1929), e pouco antes de sua sofrida morte, “O Brasil Nação – realidade da soberania brasileira” (1931). Freyre tornou-nos conhecidos no mundo com “Casa-Grande & Senzala” (1933) – clássico da sociologia -, além de vastíssima obra sobre nossas entranhas. Seu “Nordeste” (1936-7), é simplesmente primoroso, vale lembrar. Os dois, quase uníssonos apologistas da fusão português-negro-índio, do excepcionalíssimo caráter brasileiro - inspirador, futurístico. Também se entrecruzaram na crítica à Revolução de 30, todavia por razões distintas. Bomfim, um nacionalista rebelde, a ela se referindo, disse que “a agitação política atual, por mais profunda que pareça, não realiza nenhuma das condições de uma legítima revolução” (“O Brasil Nação”). Já Freyre escreve sua grande obra no auto-exílio de solidariedade a Washington Luiz, deposto por Getúlio Vargas. E Vargas foi estadista do capital-trabalho e ditador. Sob seu governo emerge o Estado-Nação, ou o capitalismo industrial; tardio, dependente e verdadeira usina de reprodução da desigualdade social. Aos trancos e barrancos, entre 1947 e 1980, o Brasil obteve uma taxa média do PIB (Produto Interno Bruto) de 7,1%; um crescimento do produto industrial de 8,5%; o PIB per capita cresceu 4,2% ao ano, enquanto a população foi multiplicada por três. A fisionomia do país virou de ponta-a-cabeça: em 1940, 70% da população era rural; em 1980, 70% viviam em cidades. No conjunto da década de 80 (do epitáfio da ditadura ao fim do governo Sarney) o crescimento econômico regrediu a 2,3% e o produto industrial desabou para 1,1%. Nos anos 90 (com mais de 1,5 milhão de jovens a ingressar ao ano no mercado de trabalho) o PIB estacionou em 2,1%. Decênio infame e ponto final. Transpassado o século e às portas das primeiras eleições gerais, desnecessário esculhambar o crepúsculo dos governos de FHC. Mesmo distorcidamente, a campanha eleitoral tem a isso servido. Mas, repita-se à exaustão: a regressão neoliberal decompõe a identidade da nação brasileira. Fomos levados a uma desestruturação social sem precedentes, à marcha forçada da submissão mais cretina. E ninguém mais do que Nelson Rodrigues compreendia a cretinice. (*) É MÉDICO E SINDICALISTA

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