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Nº 5856
Opinião

Ang�stia

Em 1936, há exatos 75 anos, Graciliano Ramos lançava uma de suas obras-primas, o romance Angústia. Considerado por muitos seu livro mais psicológico, já que descreve com minúcias a geografia íntima de um funcionário público alagoano, é também uma excelent

Por | Edição do dia 29/10/2011 - Matéria atualizada em 29/10/2011 às 00h00

Em 1936, há exatos 75 anos, Graciliano Ramos lançava uma de suas obras-primas, o romance Angústia. Considerado por muitos seu livro mais psicológico, já que descreve com minúcias a geografia íntima de um funcionário público alagoano, é também uma excelente tradução do diálogo que travamos entre o mundo interior e o exterior. Ao mesmo tempo em que narra uma luta com suas emoções, o personagem detalha incríveis cenários de Maceió, do início do século 20. Pois bem, quis o destino, e porque não dizer a política, que o ano de 1936 marcasse também o martírio do homem público Graciliano. Diretor da Instrução Pública de Alagoas, o Mestre Graça, homem probo, e já escritor de renome nacional, foi preso sem processo, acusado sem provas e deportado num porão de navio para o Rio de Janeiro. Demitido, forçado a um exílio voluntário, cultivou mágoas profundas que envolviam os desmandos de sua terra natal e o serviço público de forma geral. Mas o que isso tem a ver com a minha trajetória? Até 2006, eu era apenas um empresário alagoano, quando recebi a visita do então governador eleito de Alagoas, Teotonio Vilela Filho. Eram 23h30 do dia 16 de dezembro e à 01h30 do dia 17, depois de duas horas de uma intensa e produtiva conversa, capitulei diante dos argumentos elencados pelo governador. Aceitei ser secretário de Estado e, pela primeira vez, assumia um cargo público numa pasta até então inexistente. Trataria, pelo prazo pactuado de um ano, do desenvolvimento econômico do meu Estado. O acerto que me levou, com êxito, ao cargo, foi prorrogado ano após ano até o fim do primeiro mandato, em 2010. No segundo turno das eleições, em outubro daquele ano, votei no meu candidato à reeleição, mas não fiquei para comemorar sua expressiva e bem merecida vitória. Viajei a trabalho para a Alemanha. Dez dias depois, comuniquei ao então governador reeleito minha decisão de voltar à iniciativa privada. Julgava que minha missão junto à equipe de governo e à sociedade alagoana estava cumprida. Em meados de dezembro, porém, exatamente quatro anos depois daquela primeira conversa que me levou a conhecer mais de perto a realidade do meu Estado, voltei a me encontrar a sós com o governador. Ele comunicou na ocasião que eu não só permaneceria no governo como acumularia a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico, Energia e Logística, com a pasta do Planejamento e Orçamento. Rechacei veementemente o que me foi dito. Apesar da honra, a carga descomunal representada por tal proposta me fez repetir o não, inúmeras vezes. Em vão. Em 28 de dezembro de 2010, no Palácio República dos Palmares, capitulei pela segunda vez. Duas horas depois, o novo secretariado era anunciado, sendo confirmado o meu nome à frente de um novo desafio, talvez o maior da minha – ainda curta, porém exitosa – carreira pública. Quero aqui abrir espaço para uma reflexão. Sempre deixei clara a minha satisfação em servir ao meu povo e ao meu Estado. A minha alegria em poder contribuir efetivamente para mudanças profundas, me debruçando sobre as questões que proporcionam desenvolvimento econômico a Alagoas. Devo muito a esse Estado. Devo muito ao governador Teotonio Vilela Filho, que não é apenas meu chefe, mas um querido e estimado amigo. Esses cargos transitoriamente ocupados me deram chances reais de conhecer profundamente os problemas locais, assim como viabilizar, junto à minha equipe, programas e projetos que estão mudando para melhor a vida de milhares de alagoanos. Realizo-me fazendo o meu trabalho e quando, por provocação, me perguntam se sou um “super-secretário”, indago de volta a qual conceito de “super” a questão se refere. Se “super” significar dedicação exclusiva, que me consome entre 12 e 14 horas diárias de trabalho, posso dizer que sim. Caso signifique acordar às 6 horas da manhã e dormir às 23 horas, com a sensação de ter carregado vários sacos de açúcar ao longo do dia: sim. Por aí podemos ver que Alagoas é um Estado povoado de gente super. Quantos milhares de trabalhadores não vivem assim todos os seus dias? Não encaro o cargo que exerço como etapa para garantir uma carreira política ou me aproveitar de benefícios em causa própria. Acredito no que faço. Talvez seja isso que as pessoas tenham dificuldade em entender. Dedico-me à causa pública de corpo e alma, da mesma forma que procedi quando iniciei minha trajetória no mundo corporativo. Aqui vale salientar que, na iniciativa privada, tive a oportunidade e a honra de ocupar relevantes postos em Alagoas, no Brasil e no mundo. Fui presidente da Associação Comercial de Maceió e da Federação das Associações Comerciais de Alagoas, da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, do Conselho Deliberativo do Sebrae Nacional; liderei a Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio, com sede na Cidade do México. Fui, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por dois mandatos consecutivos, o único alagoano e um dos três nordestinos a integrar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Por tudo que foi exposto sou obrigado a admitir que sim, exerci de forma responsável e íntegra o poder. Mas tal papel importante sempre esteve vinculado à iniciativa privada, às instituições empresariais que ajudam a transformar o Brasil, fazendo com que o país atravesse um momento muito especial, ostentando uma economia sólida e estável, que atrai cada vez mais investimentos. Atualmente, afastado do setor privado, o “poder” para mim significa uma carga imensa da qual preciso me liberar. Por isso confesso que, aos 58 anos de idade, já não sou mais aquele de outrora, que podia tudo, que enfrentava o mundo. Daí a angústia. Não o sentimento de um personagem do Mestre Graciliano, mas como pessoa real, um alagoano de Capela. Uma angústia que me leva inevitavelmente a pensar: vale a pena continuar na vida pública? (*) É secretário de Estado.

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