Anjo rebelde
RONALD MENDONÇA * A leitura sagital da insólita vantagem de Serra sobre Lula, aqui em Alagoas, ensejou enxergarem-se no eleitorado enraizadas forças conservadoras, de direita, que atropelam as aspirações das candidaturas progressistas. Quem sabe não v
Por | Edição do dia 02/11/2002 - Matéria atualizada em 02/11/2002 às 00h00
RONALD MENDONÇA * A leitura sagital da insólita vantagem de Serra sobre Lula, aqui em Alagoas, ensejou enxergarem-se no eleitorado enraizadas forças conservadoras, de direita, que atropelam as aspirações das candidaturas progressistas. Quem sabe não viriam daí o nosso atraso, as nossas misérias, o nosso imobilismo? De fato, a terrinha está carente. A não ser em período eleitoral, é raro se ouvir falar de estímulos à instalação de indústrias que possam criar novos empregos. Escorraçada do interior, a nossa mão-de-obra não especializada está a ver navios pela palpável escassez de obras, enquanto sobram doentes e proliferam criminosos. O que realmente está dando certo entre nós? Na medicina, por exemplo, reclama-se da falta de condições de trabalho, dos salários baixos e da sobrecarga de horário. Muitos médicos chegam a dar seis plantões semanais, o que é um suicídio. Atraídos pelos salários diferenciados na área da Justiça, muitos jovens têm optado pelo Direito - provocando a multiplicação desordenada das faculdades - não se dando conta da armadilha que os aguarda, pelo número excessivo de advogados que anualmente são, literalmente, jogados aos leões, na figura de um inclemente mercado de trabalho sem complacência para absorver a demanda. A verdade é que o diploma de curso superior, apesar de abrir portas, já não é uma garantia de um emprego. Forças Armadas, Banco do Brasil, Correios, Petrobras, Banco do Nordeste e outras instituições que já exerceram um forte fascínio nas gerações anteriores, hoje não passam de bicos enquanto se batalha por algo melhor. É nesse cenário inóspito que surge a incrível presença de Ib Gatto Falcão, o coringa dos alagoanos, orgulho e glória de nós todos. Inquieto nos seus oitenta e qualquer coisa, Mestre Ib é o anjo rebelde que se recusa a usar pijamas e dormir mais cedo. No bonde da vida é mais condutor que passageiro. Revolucionário sem barbas e sem partidos, obstinado, nada o detém nas suas arrancadas em direção a arrojados projetos. A dimensão das suas obras de há muito transcendeu o espaço euclidiano. Reconduzido à presidência da octogenária Academia Alagoana de Letras, doutor Ib, como se prestasse contas do mandato que se encerra e celebrasse o que ora se inicia, promove inaugurações, lança livro, presta homenagens... Tudo isso com uma receita oficial de causar dó. Credibilidade, ensina, é a palavra mágica que abre os cofres dos mecenas da província. Linda como uma noiva e de alma nova com o Curso de Pós-Graduação em Literatura e Língua Portuguesa, além da iminente entrega ao público da moderna biblioteca, a veneranda Casa de Demócrito, espelhando a face do seu presidente, inova, quebrando a tradicional condição de sacrário da cultura e das artes para enveredar pelo não menos sagrado papel de educadora. Ave, Mestre. (*) É MÉDICO E PROFESSOR DA UFAL