Segurar as cal�as
RONALD MENDONÇA * Ao contrário do que vinha acontecendo no período eleitoral, quando as palavras de ordem eram desconstrução e medo, agora o Abre-te Sésamo da política responde pelo nome de pacto. Afora as discutíveis exposições diárias do pres
Por | Edição do dia 09/11/2002 - Matéria atualizada em 09/11/2002 às 00h00
RONALD MENDONÇA * Ao contrário do que vinha acontecendo no período eleitoral, quando as palavras de ordem eram desconstrução e medo, agora o Abre-te Sésamo da política responde pelo nome de pacto. Afora as discutíveis exposições diárias do presidente eleito, sempre nas fotos aconchegado no regaço do povo, numa espécie de vejam como ele é amado, Da Silva como chamam os americanos tem se esforçado para pôr em prática parte do que prometeu quando era candidato, no caso, unir patrões e empregados num ambicioso projeto de reestruturação do país. De alguma forma, isso lembra o grande De Gaulle dos tempos de reconstrução da França, no pós-guerra, quando imensos cartazes encheram as ruas e bares levando entusiasmo ao país inteiro com a mensagem: É hora de arregaçar as mangas. Por enquanto, patronato e operariado brasileiros não demonstram disposição de recuo, usando, ambos, o mesmo argumento de que não têm mais nada pra dar a não ser o sangue. Exageros à parte, leve-se em consideração também que Da Silva ainda não é um De Gaulle. Por conta desse e de outros impasses, a fase, a despeito da esperança, é também de expectativa, de incertezas. Talvez para aliviar as tensões é que o Legislativo, através do deputado Severino Cavalcante, esteja brincando com o povo ao divulgar que pretende o pequeno aumento de 107%. Com isso, os salários dos nobres deputados federais pulariam para 17 mil e caqueiradas. Soma irrisória, é bom que se diga. Deixando de lado o aspecto pegadinha da aludida pretensão, todos reconhecem o hercúleo esforço despendido pela maioria dos parlamentares na patriótica e inexcedível missão de representar com dignidade os eleitores, mantendo a honra até sob tortura, sendo, portanto, ínfima, qualquer quantia paga. A missão é espinhosa demais. Recordo de uma singular entrevista radiofônica, ainda nos tempos da ditadura, em que um deputado federal de oposição - explicava que os altos salários concedidos aos colegas evitariam que eles (deputados) se transformassem em presas fáceis da venalidade. A bunfunfa grossa atuaria como vacina contra a corrupção. O entrevistado não disse, mas deixou nas entrelinhas que, se ganhando pouco, ter-se-ia motivos de sobrapara prevaricações. O quedizer então de juízes, auditores, médicos, professores,jornalistas etc., esses não precisam de salários justos? De qualquer forma, sabe-se que a insatisfação é da natureza humana. É por isso que, brincadeira ou não, a história do aumento aos parlamentares já está na rua e, pelas reações, não se achou muita graça. Se não se tomar cuidados, corre-se o risco de o pacto resumir-se em alguém entrar com o pé e o povo entrar com as nádegas. (*) É MÉDICO E PROFESSOR