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Nº 5821
Opinião

Graciliano Ramos

EDUARDO TAVARES MENDES * Tive a satisfação de ser agraciado com a Comenda Graciliano Ramos pela Câmara de Vereadores de Maceió. A homenagem fez-me pesquisar a vida do mestre das letras e refletir sobre a angústia dos nossos irmãos sertanejos que sofrem d

Por | Edição do dia 13/11/2002 - Matéria atualizada em 13/11/2002 às 00h00

EDUARDO TAVARES MENDES * Tive a satisfação de ser agraciado com a Comenda Graciliano Ramos pela Câmara de Vereadores de Maceió. A homenagem fez-me pesquisar a vida do mestre das letras e refletir sobre a angústia dos nossos irmãos sertanejos que sofrem de fome e de sede em pleno terceiro milênio, em nosso meio, aos nossos olhos. Entre os séculos XIX e XX, Graciliano Ramos e José Lins do Rego destacaram-se como principais romancistas da segunda fase do Modernismo. Dono de um estilo seco, conciso e sintético, o Mestre Graça, como costumam chamá-lo, deixou, à posteridade, uma grande obra literária regionalista na qual o Nordeste, com todo o seu drama social, é palco das narrativas, dos romances e contos que abordam temas como o êxodo forçado, a desigualdade social alarmante, o “coronelismo”, a fatalidade e a incessante luta contra os rigores da seca e a hostilidade da natureza. A fuga de uma família da trágica seca do semi-árido nordestino deu nome a Vidas Secas, obra traduzida para inúmeros idiomas e, depois, transformada em filme. A cena ficcional do famoso romance torna-se real, na medida em que, andando pelos sertões, percebemos o quanto é alarmante o número de famílias que, enfrentando sem êxito a opressão e a dor da realidade castigante, procuram mudar para a “cidade grande”. Dados aterrorizantes mostram os efeitos da estiagem na região do polígono das secas e no sertão do São Francisco: gado morto, roças acabadas, água barrenta... Em pleno século XXI, é inadmissível que o Nordeste brasileiro padeça em face da falta de políticas agrárias capazes de transformar toda aquela região inóspita em um celeiro rural, já que a terra é fértil e, para que possa produzir, só lhe falta o precioso líquido. É incompreensível que às margens do Velho Chico, onde se deveria observar a existência de grandes tapetes de plantações, se enxergue, apenas, miséria e fome. Graciliano Ramos, naquela época, retratava bem a situação dos nordestinos retirantes que viviam em permanente conflito por não aceitarem o mundo que os reprimia, e terminavam não aceitando a si mesmos. A falta de tecnologia, própria da época, gerava o conformismo natural nas populações que, carentes de tudo, migravam para outras terras onde, por vezes, somente encontravam desprezo, desilusão e desespero. Ativista político, poliglota, homem viajado, o “Mestre Graciliano” hoje, seguramente, usaria da sua objetividade e clareza para escrever textos também sobre outro tipo de opressão: a opressão dos homens. Sobretudo dos homens que governam a Nação e não priorizam projetos que visem à erradicação da penúria no sertão, promovendo meios para irrigação, plantio, produção de grãos e desenvolvimento de outras cul-turas agrícolas. No Ano Graciliano, nada mais justo do que reconhecer, além das suas vocações literárias, o valor do sociólogo autodidata, do político de visão humanista e do ambientalista que mostrava, como ninguém, os problemas de uma região árida, pobre e esquecida, como o sertão nordestino. A distinção de ordem honorífica, que me foi outorgada pelos ilustres membros do Poder Legislativo municipal, representa o reconhecimento do trabalho prestado aos maceioenses por um sertanejo de Traipu, pequena cidade situada na região do polígono, no baixo São Francisco, esperançoso de melhores dias para sua gente. (*) É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ALAGOAS

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