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Nº 5822
Opinião

Linguagem das flores

JOSÉ MEDEIROS * O escritor Monteiro Lobato – autor de contos que marcaram época na vida literária do País – narra a história de um velho jardineiro, o Timóteo, que durante 40 anos cultivou o jardim do casarão de uma fazenda. Fez dele um retrato dos aco

Por | Edição do dia 20/11/2002 - Matéria atualizada em 20/11/2002 às 00h00

JOSÉ MEDEIROS * O escritor Monteiro Lobato – autor de contos que marcaram época na vida literária do País – narra a história de um velho jardineiro, o Timóteo, que durante 40 anos cultivou o jardim do casarão de uma fazenda. Fez dele um retrato dos acontecimentos da casa, verdadeira crônica vegetal. Diz Lobato “O Timóteo compusera, ao longo do tempo, um maravilhoso poema onde cada plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir anual da primavera e sofredor quando junho sibilava no ar látego de frio. As plantinhas e flores tornaram-se a memória da família”. O dono das terras, generoso amigo que lhe dera a carta de alforria, foi homenageado com um vigoroso jasmim do Cabo; e a “sinhazinha” com rosas brancas. Que representavam amor, e crisântemos, símbolos de paixão. O casamento de uma das filhas da família foi saudado com o plantio de orquídeas e brotos de amores-perfeitos. A morte de um dos familiares foi marcada por cravos-de-defunto, violetas e uma touceira de perpétuas. Flores alegres assinalavam o nascimento de crianças: esporinhas, margaridas, madressilvas e lírios. O jardim era um livro aberto, dizia pela “boca das flores” a história dessas pessoas que ele amava. Semelhante, a linguagem de fatos passados pode ser representada por associações de idéias e símbolos nas nossas lembranças: perfumes, flores, jóias, presentes, músicas, nos fazem recordar velhos tempos e antigas amizades. Referências que não se apagam. Aqueles que mantêm intactas essas reminiscências, conservam em bom nível a saúde mental. Cada vez mais é necessário segurar com as duas mãos, momentos de alegre vivência, de satisfação espiritual. Nos dias atuais são muitas as dores de cabeça, enxaquecas, ansiedades, estresses e depressões. Quase sempre pessimismos e amarguras vencem satisfações e otimismos. A Psicologia nos ensina um ideal de grande beleza traduzido numa frase-síntese: o mundo é melhor e mais feliz porque eu vivo. Poucos escapam do dia-a-dia corrido, frenético, cheio de compromissos, de trabalho até a exaustão. As horas passam com extrema rapidez. São tantos os compromissos que seriam necessários mais dias na semana: quinta-feira, sexta-feira, “sábado-feira”, “domingo-feira”, etc. (que Deus nos livre de tal!). Um poeta por quem nutro admiração e amizade canta em versos o tempo que passa, e que ninguém consegue deter: “O tempo... se torna tempo – instante, dia mês, ano – passa, e ninguém consegue deter: “O tempo... se torna tempo-instante, dia, mês, ano – quando algo entra nele: um olhar, um amor, um beijo, uma afirmação, um desejo, uma saudade, um evento... um triunfo, um desengano”. O tempo segue seu curso indiferente ao nosso espanto. O jardineiro Timóteo assinalou no tempo a história que queria contar. Pôde relê-la muitas vezes, revivendo cada momento. Talvez tenha sido feliz por isso. (*) É MÉDICO E EX-SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE

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