Linguagem das flores
JOSÉ MEDEIROS * O escritor Monteiro Lobato autor de contos que marcaram época na vida literária do País narra a história de um velho jardineiro, o Timóteo, que durante 40 anos cultivou o jardim do casarão de uma fazenda. Fez dele um retrato dos aco
Por | Edição do dia 20/11/2002 - Matéria atualizada em 20/11/2002 às 00h00
JOSÉ MEDEIROS * O escritor Monteiro Lobato autor de contos que marcaram época na vida literária do País narra a história de um velho jardineiro, o Timóteo, que durante 40 anos cultivou o jardim do casarão de uma fazenda. Fez dele um retrato dos acontecimentos da casa, verdadeira crônica vegetal. Diz Lobato O Timóteo compusera, ao longo do tempo, um maravilhoso poema onde cada plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir anual da primavera e sofredor quando junho sibilava no ar látego de frio. As plantinhas e flores tornaram-se a memória da família. O dono das terras, generoso amigo que lhe dera a carta de alforria, foi homenageado com um vigoroso jasmim do Cabo; e a sinhazinha com rosas brancas. Que representavam amor, e crisântemos, símbolos de paixão. O casamento de uma das filhas da família foi saudado com o plantio de orquídeas e brotos de amores-perfeitos. A morte de um dos familiares foi marcada por cravos-de-defunto, violetas e uma touceira de perpétuas. Flores alegres assinalavam o nascimento de crianças: esporinhas, margaridas, madressilvas e lírios. O jardim era um livro aberto, dizia pela boca das flores a história dessas pessoas que ele amava. Semelhante, a linguagem de fatos passados pode ser representada por associações de idéias e símbolos nas nossas lembranças: perfumes, flores, jóias, presentes, músicas, nos fazem recordar velhos tempos e antigas amizades. Referências que não se apagam. Aqueles que mantêm intactas essas reminiscências, conservam em bom nível a saúde mental. Cada vez mais é necessário segurar com as duas mãos, momentos de alegre vivência, de satisfação espiritual. Nos dias atuais são muitas as dores de cabeça, enxaquecas, ansiedades, estresses e depressões. Quase sempre pessimismos e amarguras vencem satisfações e otimismos. A Psicologia nos ensina um ideal de grande beleza traduzido numa frase-síntese: o mundo é melhor e mais feliz porque eu vivo. Poucos escapam do dia-a-dia corrido, frenético, cheio de compromissos, de trabalho até a exaustão. As horas passam com extrema rapidez. São tantos os compromissos que seriam necessários mais dias na semana: quinta-feira, sexta-feira, sábado-feira, domingo-feira, etc. (que Deus nos livre de tal!). Um poeta por quem nutro admiração e amizade canta em versos o tempo que passa, e que ninguém consegue deter: O tempo... se torna tempo instante, dia mês, ano passa, e ninguém consegue deter: O tempo... se torna tempo-instante, dia, mês, ano quando algo entra nele: um olhar, um amor, um beijo, uma afirmação, um desejo, uma saudade, um evento... um triunfo, um desengano. O tempo segue seu curso indiferente ao nosso espanto. O jardineiro Timóteo assinalou no tempo a história que queria contar. Pôde relê-la muitas vezes, revivendo cada momento. Talvez tenha sido feliz por isso. (*) É MÉDICO E EX-SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE