O MENINO E O TAXISTA
São Paulo é uma cidade que influencia, mesmo que indiretamente no crescimento de vida das pessoas, inclusive as que não habitam por lá. Em 1972, quando iniciava minha atividade no rádio, tive os primeiros contatos com a maior metrópole da América Latina
Por | Edição do dia 03/12/2013 - Matéria atualizada em 03/12/2013 às 00h00
São Paulo é uma cidade que influencia, mesmo que indiretamente no crescimento de vida das pessoas, inclusive as que não habitam por lá. Em 1972, quando iniciava minha atividade no rádio, tive os primeiros contatos com a maior metrópole da América Latina. À época, o Brasil do carrancudo presidente Médici realizava a Copa Independência e contemplava grandes seleções que haviam disputado o Mundial de 1970. Várias capitais pelo País sediaram jogos, inclusive Maceió, com o belíssimo e recém-inaugurado Rei Pelé. No Maracanã, o Brasil foi campeão com gol de Jairzinho para alegria da ditadura, tempos em que futebol e carnaval faziam a felicidade do povo. Entre idas e vindas, um evento comum no dia a dia das grandes cidades me chamou a atenção pelo gesto humanitário de um simples motorista de táxi. Cidadão de pouco mais de sessenta e cinco anos e milhares de quilômetros rodados pelas ruas de São Paulo. Admirador e fã incondicional dos nordestinos com os quais construiu sólidas amizades, inclusive com alagoanos de Palmeira dos Índios. Frequenta costumeiramente restaurantes regionais do Nordeste, acha deliciosa a nossa gastronomia e não dispensa um forró. Fazendo ponto entre a Ipiranga com Avenida São João, lugar de bares lotados, cheiro de fritura, prostituição, inferninhos, bêbados e drogados de todos os tipos, seu Januário conheceu um menino de apenas onze anos de idade. Entre noites e madrugadas não dormidas, ganhava seus trocados engraxando sapatos em frente à Boate Love Story. Nas folgas, o taxista gostava de conversar com o moleque que passou a lhe chamar de pai. Nessa relação de confiança, o menino fazia confissões que amolecia o coração do seu Januário, como seu desejo de ter família, receber carinho se sentir amado. Seu pai morreu assassinado pelo tráfico; a mãe, alcoólatra, o abandonou para sempre. Já totalmente envolvido com o crack, o taxista fez de tudo para ajudá-lo. Levou-o para casas de recuperação de drogados; arranjou-lhe emprego de serviçal em um restaurante e até conseguiu afastá-lo por um tempo do submundo da fumaça mortal. Numa manhã fria e chuvosa, o velho taxista não acordou bem, algo lhe apertava o peito. Ao chegar ao ponto costumeiro, recebeu a notícia. Com cinco facadas, seu amigo menino, já adolescente, fora assassinado.