Opinião
Interroga��es sobre o inverno �rabe

Como toda invenção dissociada da realidade, malgrado a boa intenção de quem o inventa, o termo ?Primavera Árabe? transformou-se numa geringonça inútil, quando não desastrosa. Criado quase em uníssono pelas grandes corporações midiáticas ocidentais e replicados por suas ONGs de estimação, caiu no vazio o conceito que tentou forçar um paralelo entre as rebeliões em países muçulmanos e a monumental ?Primavera dos Povos?. Como se sabe, a Primavera dos Povos foi um portentoso movimento que sacudiu e transformou a Europa, varrendo os vestígios do absolutismo e do despotismo, cujo ápice se deu em 1848. O resultado desse movimento transnacional foi a construção das bases da democracia moderna e, indo mais além, do alicerce para as futuras batalhas entre ?esquerda? e ?direita?, entre ?liberalismo? e ?estatismo? e tudo o mais que forma a tessitura das sociedades ocidentais contemporâneas. Rotular de ?primavera árabe? o complexo movimento de levantes muçulmanos que sacudiram o Oriente Médio só se explica por ingenuidade ou má-fé ? pois igualar esses dois processos é pura fraude. A onda de rebeliões iniciadas com a explosão popular na Tunísia em dezembro de 2010 nunca teve um ideal libertário como desejariam seus intérpretes ocidentais. A revolta contra os governos da região eclodiu por razões diversas, mas na quase totalidade dos casos, suas forças mais expressivas eram (e são) mais conservadoras que aquelas transformadas em alvos das ruas em fúria. O caso do Egito é o mais divulgado, mas não é o único: o produto das praças em chamas é mais fundamentalista e antiocidental que o velho ditador Hosni Mubarak e sua trupe; tanto é assim, que o Ocidente silenciou (quando não apoiou abertamente) o golpe dado pelos militares egípcios contra os vitoriosos das ?primeiras eleições democráticas? realizadas naquele país. E na Líbia, onde as quadrilhas que derrubaram e lincharam o ditador Khadafi são mais bárbaras e retrógradas que o espalhafatoso finado. Em resumo, três anos depois, os mesmos teóricos midiáticos criadores e/ou divulgadores da lorota ?primavera árabe?, confrontados com a catastrófica realidade dos países ?libertados?, não sabem o que falar ou escrever. Mesmo com atraso, é hora de se estudar seriamente o que pode, verdadeiramente, estar acontecendo naquela parte do mundo muçulmano.