Primeiras l�grimas
RONALD MENDONÇA * Comandante naval, Conceição o nome de guerra, para espanto geral, casou-se com uma sobrinha de 26 anos. A surpresa não era para menos: além do parentesco, chamava a atenção a diferença de idade de exatos 44 anos. Filha caçula de u
Por | Edição do dia 30/11/2002 - Matéria atualizada em 30/11/2002 às 00h00
RONALD MENDONÇA * Comandante naval, Conceição o nome de guerra, para espanto geral, casou-se com uma sobrinha de 26 anos. A surpresa não era para menos: além do parentesco, chamava a atenção a diferença de idade de exatos 44 anos. Filha caçula de um irmão pobre do comandante, Poliana era desquitada. Sem filhos, funcionária de uma loja num shopping, o sonho da moça era entrar na faculdade de odontologia. Bonita e atraente, seu físico exuberante assanhava lojistas e empregados do shopping, que, sem sucesso, a assediavam o quanto podiam. O comandante tinha histórias do arco da velha. Conhecia os sete mares como a palma da mão. Jamais chorara. Suas aventuras eram ouvidas com respeito e admiração pela vizinhança recém adquirida. É que Conceição enviuvara há poucos meses e, família já criada, resolveu voltar ao torrão natal para conviver com os irmãos e ajudá-los no que pudesse. O homem derretia-se em desvelos depois de anos de ausência, tentando recuperar o tempo perdido. Manhoso, de olho na sobrinha, o velho marinheiro não demorou muito para confessar sua simpatia. Ele a queria como governanta, esposa se a saúde desse; no futuro, amparo, mas, acima de tudo, desejava ajudá-la a realizar o sonho de ser dentista. Arrepiava-se só de pensar que sua aposentadoria pudesse ficar com esse governo corrupto. As poucas exigências consistiam de fidelidade, carinhos e empenho nos estudos. Garantias? Nenhuma. Cego de amor, não foi fácil Conceição convencer aos demais parentes que a sobrinha era a melhor escolha. Em vão tentaram demovê-lo, lembrando a enorme diferença de idade. Nas entrelinhas, a questão mais temida e que ninguém ousava discutir abertamente: a maculação da sua austera fronte. O velho argumentava, relembrando alguns famosos e chiques que se deram bem com cocotas: Picasso, Sinatra, Olacyr, Guinle, Fagundes, Fábio Júnior... Foram cinco ou seis anos de plena felicidade. Um dia, a um mês da colação de grau, a futura dentista chamou o marido a um canto e confessou: Estou me relacionando com outro, há algum tempo, mas quero demonstrar a minha gratidão: seja o meu padrinho de formatura. Depois, irei morar com o homem que amo. O juramento que lhe fiz já era. Sem palavras, humilhado, decepcionado, o velho arrastou-se até o quintal. Enquanto amaldiçoava a tolice de pôr todas as suas esperanças nas mãos de uma só pessoa, as bananeiras recebiam as primeiras e definitivas lágrimas vertidas daqueles olhos cansados. Essa história veio à tona com a recente e frustrante revelação, dando conta de que, embora convidados a participar das comemorações da posse, como o velho comandante, os funcionários públicos ensaiam suas primeiras lágrimas de desilusão com o governo que chega. Destino ou azar? (*) É MÉDICO E PROFESSOR DA UFAL