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Nº 5759
Opinião

Qual o verbo...

DOM FERNANDO IÓRIO * No segundo ano do novo milênio, a morte de Deus, proclamada por Nietzsche, já cobriu a história com o manto da violência. Não há inocentes. Todos somos autores e vítimas. Só há culpados. Somos, de alguma maneira, terroristas e víti

Por | Edição do dia 03/12/2002 - Matéria atualizada em 03/12/2002 às 00h00

DOM FERNANDO IÓRIO * No segundo ano do novo milênio, a morte de Deus, proclamada por Nietzsche, já cobriu a história com o manto da violência. Não há inocentes. Todos somos autores e vítimas. Só há culpados. Somos, de alguma maneira, terroristas e vítimas do terrorismo. Não há fugir da avalanche da violência. Não apenas a religião se foi; a ética, também; a arte e a moral não escaparam. A avalanche carregou a Metafísica também; destronou a política. Nada escapou. Já não se pode mais pensar em ética, como ética. Os espaços da convivência vão sendo ocupados pela repetição automatizada de autômatos. Todo vazio está repleto de exigências, de reivindicações, de expectativas. Já não se tem esperança; só conhecemos esperas. Por toda parte foi sacrificada a força do direito, só restando o direito da força, quer na tecnologia, como na ideologia. No lugar da ética ficou a economia, ocupando todos os postos e funções, substituindo qualquer valor. Não apenas a ética foi tragada pela economia. A política também, a religião também, a arte e a filosofia também o foram. Os valores humanos e o homem, como princípio e fim de toda ordem, naufragaram, rendendo-se aos poderes do mercado. Sobraram, tão-somente, os sensores para o lucro, visando à globalização dos investimentos e à expansão dos rendimentos. A orientação é uma só: produzir as necessidades. A ciranda é uma só: deve-se produzir mais para lucrar mais, para investir mais, produzir para lucrar, lucrar para produzir, a qualquer preço. Não é difícil de perceber que ética alguma poderá sobreviver a essa atropelada do valor econômico, entronizado, como supremo tribunal de julgamento de todo valor. Conseqüentemente, desaparece, também, a política, porque para se pensar em política é indispensável dispor tanto de intensa pluralidade de políticas, quanto da prevalência alternada pela sucessão no poder, de uma política sobre todas as outras. Com o domínio absoluto da economia sobre todos os demais valores, só é possível uma única política: a do lucro que leva, inexoravelmente, tudo de arrastão para a ditadura do mercado. Nos horizontes da história, assistimos, estarrecidos, a um espetáculo desolador e obsceno: as trocas de governo não acarretam mudança de política. Quando a oposição chega ao poder procura aliar-se à política da situação anterior. De qualquer maneira, uma ditadura política se perpetua em qualquer partido vitorioso. Tem-se, então, o governo não de um único partido, mas de uma política única. É a ditadura do 3º milênio: a ditadura do lucro e do mercado impondo, com a globalização, o totalitarismo da política única em todo o globo. Em transição, sentimos, a essa altura, a passagem para o que não sabemos, ainda, o que venha a ser. Importante pergunta se faz necessária: qual é o verbo que nossa história vai conjugar, neste novo milênio? Será fazer, agir, conciliar, produzir, aterrorizar, fraternizar? Que verbo, iremos conjugar? Seres finitos, somos sempre definidos. Nunca poderemos começar com o princípio, nem terminar com o fim, porque já estamos imersos no princípio e fim de todas as coisas. (*) É BISPO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS

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