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Nº 5759
Opinião

Mons parturiens

DOM FERNANDO IÓRIO * Somos, não poucas vezes, mestres em tornar coisas corriqueiras desfiladeiros de obstáculos. Somos especialistas em transformar pequeninos desentendimentos nas fontes de discórdia, de mal-estar que fazem a família gemer, separar-se.

Por | Edição do dia 05/03/2002 - Matéria atualizada em 05/03/2002 às 00h00

DOM FERNANDO IÓRIO * Somos, não poucas vezes, mestres em tornar coisas corriqueiras desfiladeiros de obstáculos. Somos especialistas em transformar pequeninos desentendimentos nas fontes de discórdia, de mal-estar que fazem a família gemer, separar-se. Somos pessimistas, disseminando medos fantasmagóricos nos membros de uma sociedade medrosa. Imaginamos o catastrófico. Inventamos o impossível, criamos coisas inverossímeis, só para complicar, para atormentar, para infernizar, para desassossegar a caminhada dos outros, tornando real o que é imaginário. Quem desconhece a façanha imaginária de Dom Quixote, herói de Cervantes? Julgando-se grande cavaleiro, resolveu percorrer o mundo, junta-mente com seu escudeiro Sancho Pança, procurando libertar damas enfeitiçadas das garras dos dragões e das mãos sanguinolentas dos bandidos. Com extravagante indumentária, montado no seu Rocinante, cai no imaginário mal-entendido de ver em todas as coisas perversos inimigos. Pobre Dom Quixote! Conduzido pela imaginação fantasiosa, sai na sua caminhada guerreira atacando, a torto e a direito, inocentes camponeses e suas paupérrimas carriolas, como se fossem esquadrões e tropas inimigas. Pensa até que os próprios moinhos de vento são seus ferrenhos inimigos. Sua imaginação não tem limites: esporeia o animal e, de lança em punho, joga-se contra o moinho colossal, cujas garras extensas o lançam ao solo. O mesmo acontece com tantos que transformam meras brincadeiras em moinhos de vento inimigos. Por que procurar tornar real um imaginário forjado? Conta-se que, certa feita, alguém de um povoado imaginou ter ouvido o monte vizinho gemer. Propagou, de logo, entre os moradores da cidade que a montanha ia parturir um monstro. Todos se armaram, com enxadas, foices, rifles, espingardas, máquinas de lavrar a terra. No esperado dia, fez a sugestão coletiva com que vários moradores, supostamente, ouvissem o gemer da montanha. Todos se prepararam, derredor da montanha, para defender-se do monstro. Mas, para surpresa de todos e risos de muitos: da montanha, que, supostamente, gemia, saiu um pequenino rato. É o conhecido “mons parturiens”, isto é – monte que vai parturir. O tempo de que dispomos, na terra, é tão curto que não deveríamos perdê-lo, criando o real imaginário. Tudo porque o fantasma parece muito maior que o monstro que se imagina real. (*) É BISPO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS

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