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Nº 5759
Opinião

Os fiscais

Na antiguidade, o poeta romano Juvenal cunhou uma frase que atravessou os séculos e reverbera agora de forma impressionantemente atual: “quis custodiet ipsos custodes?” – “quem fiscaliza os fiscalizadores?”; “quem vigia os vigilantes?”. Num momento em que

Por | Edição do dia 21/05/2015 - Matéria atualizada em 21/05/2015 às 00h00

Na antiguidade, o poeta romano Juvenal cunhou uma frase que atravessou os séculos e reverbera agora de forma impressionantemente atual: “quis custodiet ipsos custodes?” – “quem fiscaliza os fiscalizadores?”; “quem vigia os vigilantes?”. Num momento em que há fiscais em demasia dardejando denúncias, causa preocupação a saúde da democracia: até que ponto o equilíbrio entre os poderes está sendo afetado? A questão foi abordada por Platão em “A República”, que pressupunha uma sociedade perfeita, mas vigiada pelos guardiões. E a pergunta surgia inquietante: quem vigiaria os guardiões? No livro, a resposta é tentar convencer os guardiões de que eles têm que fazer o que é correto, não porque desejam, mas porque é o certo. E onde está o certo agora? Na equação política da antiguidade, a incógnita “imprensa” não aparecia. Hoje, no jogo de forças, ela cumpre papel preponderante, de altíssima responsabilidade, com poder, por vezes, para eleger heróis ou bandidos. E uma notícia depois de impressa, ou postada, mesmo sendo uma mentira, dificilmente será corrigida com zelo. Daí, vidas podem ser destruídas, gerações podem ser arrasadas e a pergunta, mais uma vez se insinua: quem fiscaliza os fiscais? Há alguns anos, houve o chamado escândalo dos anões do orçamento. O deputado Ibsen Pinheiro acabou cassado, em 1994, depois de matéria publicada pela revista Veja. Na reportagem, afirmava-se que Ibsen recebera um milhão de dólares do esquema. O jornalista Lula Costa Pinto redigiu o texto, mas quando edição estava sendo impressa, descobriu-se que não era um milhão, e, sim, mil dólares: “o texto da Veja repercutiu nos jornais por dois dias, a dolarização incorreta foi protocolarmente corrigida pela CPI na semana seguinte, mas Ibsen fora arrastado definitivamente para o centro das investigações”, escreveu Costa Pinto, anos depois, num artigo em que pedia desculpas. Ibsen foi execrado, perdeu 10 kg e o mandato. O mais cruel de tudo isso é que a revista sabia que estava errada, tinha como corrigir o erro, mas não o fez. Ibsen Pinheiro acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal, mas nunca se recuperou da tragédia. O Brasil vive um momento ímpar: basta a menção para a ilação, delação e atribuição de culpa. Tornou-se comum a expressão: “até o momento ninguém foi preso” ao final de qualquer matéria que trate de possível ilegalidade. Ora, a prisão é o corolário de um processo, vem depois da sentença. É básico do Direito: o ônus da prova é de quem acusa; e todos são inocentes até que se prove o contrário. Contudo, o oposto é o que tem sido incutido na sociedade. Trata-se de uma inversão de valores que ameaça a democracia.

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