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Nº 5759
Opinião

Abra�o de anaconda

Em 2000 ou 2001 a “luta antimanicomial” estava botando fogo pelas ventas. Fui participar, naqueles dias, de uma “audiência pública”, na Câmara Municipal. A “luta antimanicomial” exigia o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos que recebessem pacien

Por | Edição do dia 24/05/2015 - Matéria atualizada em 24/05/2015 às 00h00

Em 2000 ou 2001 a “luta antimanicomial” estava botando fogo pelas ventas. Fui participar, naqueles dias, de uma “audiência pública”, na Câmara Municipal. A “luta antimanicomial” exigia o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos que recebessem pacientes do SUS. Um projeto de lei , “Projeto Delgado” (ou um substituto), estava para ser votado no Congresso. Era dente ou queixo. Nosso hospital já estava tendo prejuízo. Transferíamos receita dos convênios para cobrir o rombo do SUS. Mesmo assim, a nossa orientação era pela existência de hospitais psiquiátricos em atividade e lutar por pagamento menos vil. Acreditamos que um hospital psiquiátrico tem papel insubstituível numa comunidade. A própria OMS recomenda um leito psiquiátrico para cada mil habitantes. Apesar da tendenciosidade do presidente da sessão, terminei ocupando a tribuna e exprimindo nosso ponto de vista. Melhor seria termos fechado, naquela ocasião. Certamente estaríamos em outras águas menos turvas, desfrutando do nosso valioso patrimônio com outros ramos menos aviltantes. Reconheço que foi uma bobeira. A partir daquele ano, o SUS enterrou várias cabeças de burro no nosso terreno. Por que acreditávamos que iríamos melhorar? Com 35 anos de atividade, o nosso know how em prejuízo vinha de longe. Acostumamo-nos a uma certa ciclotimia financeira desde o tempo dos militares: eram seis meses com alguma sobra e seis meses no vermelho. Mas, em 2000, já havia vários anos que o vermelho nas contas predominava. Os hospitais eram acusados de “não quererem abrir mão dos lucros”; acusados de maltratar os pacientes; de torturar, até de terem sido cúmplices da ditadura militar. Embora cerca de 60 mil internamentos tivessem sido feitos desde a inauguração em 1960, ainda assim acusava-se o hospital psiquiátrico de “cronificador”. Parecia que ninguém detinha o primário conhecimento de que a doença mental é crônica desde sua eclosão. Mas naquela tarde fiquei convencido da má vontade do poder público. Não obstante familiares de pacientes estarem ali para se posicionarem contra o fechamento, um ou outro deixava escapar que “as clínicas precisavam ter menos lucros”. Ou seja, os caras não sabiam de nada das nossas contas, mas davam uma tacadinha. A “luta antimanicomial” já envenenara suas almas. Finalmente, o Congresso rechaçou a ideia maluca de acabar com hospitais psiquiátricos. Mas, milhões foram desviados. Ao mesmo tempo, na Saúde, implantou-se uma política de “abraço de anaconda”. Nada é para sempre.

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