Opinião
Meu padim ci�o

Há dois meses, fui em peregrinação ao Juazeiro do Norte, no Ceará, a quinta que fiz com a Mara desde que nos casamos. Como das outras vezes, retornei para casa ainda mais devoto do Padre Cícero Romão Batista, o patriarca dos nordestinos, e, encantado com as demonstrações do quanto as suas lições permanecem vivas na memória do povo sofredor e humilde daquele pedaço de chão, passadas de geração a geração como um verdadeiro tesouro enriquecedor. O nordeste se reconhece no Juazeiro, encontra a sua identificação nas beatas, nos penitentes e nos romeiros que buscam aquele solo sagrado como quem procura um oásis no deserto das suas aflições e angústias. Juazeiro traz-me a lembrança da fé ingênua e pura de minha avó Maria, tão convicta em sua devoção ao benfeitor dos pobres. Morto em 1934, aos 90 anos de idade, Padre Cícero nunca saiu do coração do povo nordestino. ?Meu padim não morreu, ele se mudou?, dizem os mais antigos, como que negando ao venerando taumaturgo o destino comum de todo ser humano. Embora ainda não reconhecido como santo pela Igreja Católica, o velho sacerdote já foi canonizado pela gente a quem tanto serviu, multiplicando-se em suas imagens de batina preta, chapéu na cabeça e cajado na mão por choupanas paupérimas e mansões luxuosas. Aqui mesmo, nas Alagoas, não há um só dentre os 102 municípios onde não haja uma estátua sua em lugar público de destaque, sempre ornamentada de flores pela população. É um santo próximo, querido, íntimo como um parente consanguíneo. É o ?meu Padim Ciço?, a quem podemos recorrer sem temor nem constrangimento, intercessor poderoso junto ao Pai do Céu e à Virgem Mãe das Dores, por quem ele nutria uma devoção toda amorosa. Quem chega ao Juazeiro sente um clima diferente, algo inexplicável no ar a nos provar que ali é um lugar realmente especial. Grandes filas nos confessionários das diversas igrejas onde se celebram missas de hora em hora, o povo cantando fervorosamente os benditos seculares que não caem no esquecimento: ?Meu padrinho fez uma viagem, ô, e deixou Juazeiro sozinho?; ?Valei-me, meu Padinho Ciço, e a Mãe de Deus das Candeias?. São vozes desafinadas, mas quem se importa com isso? O que vale é a crença que as estimula, penhor seguro de que os seus rogos não serão em vão, pois o seu destinatário é generoso. Do solo esturricado do sertão do Cariri brotou a árvore que frutificou em esperança e caridade. O meu Luís ainda há de ver o Padre Cícero elevado à honra dos altares, se Deus quiser; será uma apoteose que vai impressionar o Vaticano!