Desrespeito � vida
JOSÉ MEDEIROS * Não lembro o ano em que tomei conhecimento de relato de turistas brasileiros, que passeavam em Paris, e encontraram um grupo de pessoas vestidas de verde-amarelo, chapéu da mesma cor e bandeirolas com os dizeres: Salvem a Amazônia. Não
Por | Edição do dia 06/03/2002 - Matéria atualizada em 06/03/2002 às 00h00
JOSÉ MEDEIROS * Não lembro o ano em que tomei conhecimento de relato de turistas brasileiros, que passeavam em Paris, e encontraram um grupo de pessoas vestidas de verde-amarelo, chapéu da mesma cor e bandeirolas com os dizeres: Salvem a Amazônia. Não eram brasileiros, eram franceses. Divulgavam campanha em favor da Amazônia, arrecadando contribuições e donativos. Não falavam português, dialogavam em francês e inglês. Participavam de uma organização que pretendia salvar a floresta. Utilizavam o chavão: a floresta é o pulmão do mundo. Entregaram aos brasileiros um folheto explicativo: pretendiam realizar campanha educativa junto às populações ribeirinhas da Amazônia, pedir a punição das madeireiras e dos responsáveis por queimadas, reflorestar os espaços vazios existentes e lutar pela internacionalização da floresta. Não tenho notícias desses estranhos voluntários, se vieram ao Brasil ou se aplicaram o cabedal financeiro arrecadado. A floresta amazônica continua a mesma, mas não há como negar a existência de pessoas e organizações que ali se instalaram e realizam diversos trabalhos de assistência. Lembrei-me desse episódio a propósito de outro fato igualmente surpreendente. Durante as semanas que antecederam o Dia Mundial de combate à Hanseníase (antiga lepra), ocorrido em 27 de janeiro, uma ONG espanhola fez intensa campanha publicitária naquele país, mostrando que o Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial dessa doença. Através da mídia, utilizando jornais, TV e Internet, exibiu imagens de doentes mutilados, desfigurados, com seqüelas de lesões leprosas. O programa causou intenso impacto. O vídeo confrontou desenhos antigos de doentes da época de Cristo e fotografias atuais de hansenianos portadores de extensas lesões. Uma forte crítica a um país que não foi capaz de curar uma doença que data de milhares de anos. Não sei qual interesse dessa ONG (Anesvad), mas quaisquer que tenham sido suas razões serviram para acordar o governo brasileiro, que se sentiu forçado a prestar esclarecimentos e explicações. Segundo a Anesvad, há 41 mil hansenianos no Brasil (leprosos, na classificação antiga). Havia um acordo anterior com a Organização Mundial de Saúde em que o Brasil se comprometia a erradicar essa doença até 2001, realizando um esforço concentrado para esse fim. Apesar do apoio da OMS o acerto não foi cumprido. E o país passou pelo vexame de ter esses números divulgados fora de nossas fronteiras. Uma pergunta ficou sem resposta. Há numerosas campanhas em curso no âmbito da Saúde, a principal delas sobre Aids. Enquanto isso, tuberculose e hanseníase representam números três vezes maiores que o da Aids. Antes tarde do que nunca. Concluía essa crônica quando tomei conhecimento que orientações sobre hanseníase serão veiculadas nos meios de comunicação e haverá empenho especial no diagnóstico e tratamento da moléstia. De hanseníase, tudo se sabe: o agente etiológico que a provoca (bacilo de Hansen), lesões e conseqüências, e a terapêutica, remédios que curam. Só nos resta esperar. (*) É MÉDICO E EX-SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE