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Nº 5759
Opinião

Vestibular

MARCOS DAVI MELO * Quem são aquelas cabeças grisalhas que se destacam na multidão nos portões de entrada dos vestibulares? E as coloridas, que inquietas procuram disfarçar o nervosismo? São os pais e as mães, cinqüentões e balzaquianas, que aflitas, es

Por | Edição do dia 10/01/2004 - Matéria atualizada em 10/01/2004 às 00h00

MARCOS DAVI MELO * Quem são aquelas cabeças grisalhas que se destacam na multidão nos portões de entrada dos vestibulares? E as coloridas, que inquietas procuram disfarçar o nervosismo? São os pais e as mães, cinqüentões e balzaquianas, que aflitas, estão ali para levar os seus rebentos para o vestibular. E, quando se afastam momentaneamente da azáfama, para recuperar o fôlego, antes do último beijo e de entregar as suas crias para o mundo hostil e demoníaco das fórmulas mirabolantes da física, das equações enigmáticas da matemática, das regras capciosas da química, das arapucas da língua portuguesa, estão tão ansiosos que em um ímpeto quase suicida – caso permitissem – se imolariam ao sacrifício supremo de eles próprios se submeterem às provas em lugar de seus filhos. É uma dor cruel de ferida aberta, de negro espinho de ouriço a perfurar o coração, esta de ver os filhotes a enfrentar sozinhos e indefesos às realidades do mundo. E estes vestibulandos até ontem eram uns meninos a fazer xixi nas calças, umas meninas a brincar com bonecas e hoje, já enfrentam os desafios de adultos. Foi tudo tão fugaz, tão rápido. Ah juventus ventus... E estes senhores e senhoras maduros, genitores destes jovens imberbes, que ainda não desmamaram, parece que foi ontem, faziam os seus próprios vestibulares. Era uma época na qual os cursinhos eram raros, onde predominavam os professores de disciplinas isoladas e os grupos que viravam as noites estudando na casa de um e de outro... Quem não se lembra das noitadas de estudos, sustentadas ao sabor dos amoráveis pasteizinhos quentes e dos sucos de mangaba e de cajá, que a mãe fazia com tanto carinho e perícia a cada noite indormida, livrada dos cochilos da alta madrugada por repetidas xícaras de café preto, tão forte e fumegante quantas eram as nossas disposições, as nossas esperanças? Quem não se lembra da Maceió de então? Das únicas e corretas opções das faculdades públicas? Não era como hoje, nestes tempos de imediatismo, onde o insucesso das primeiras tentativas logo é suprido por uma das muitas vagas nas múltiplas faculdades privadas que acenam com uma oportunidade imediata para a qual o futuro emprego é tão distante, tão incerto? Quem não se lembra das indispensáveis relaxadas nos fins de semana nos banhos de mar de uma Pajuçara e de uma Avenida da Paz despoluídas? Nas ondas de uma Guaxuma quase virgem? Das tertúlias da Fênix? De uma Maceió puritana, compensada nos lupanares de Jaraguá? Desafogada nas caçadas às mundanas nas madrugadas do Parque Gonçalves Ledo? Quem são estes homens grisalhos e estas mulheres maduras que não se apercebem da realidade e por mais que o façam e se angustiem, os destinos de seus filhos só eles próprios vão traçar? (*) É MÉDICO

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