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quarta-feira, 16/07/2025 | Ano | Nº 6011
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Três de maio

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Gratidão, gratidão, gratidão ? eis o mantra que ressoa em meus ouvidos na data em que celebro aniversário. Pouco importa os meus passos vacilantes, ora trôpegos, ora mancos, ora incertos; o que vale é essa vontade danada de seguir em frente, por entre pedregulhos soltos e ladeiras íngremes, espinhos e calor abrasador. Se a garganta seca, há a expectativa da fonte. Se os pés doem, há a esperança da terra fofa molhada convidando para o repouso restaurador. Muitas companhias foram-se perdendo ao longo do percurso traçado até agora, mas ainda assim não deixaram de me acompanhar: em verdade estão de certo modo ainda aqui comigo, trazidas no meu lado esquerdo e presentes em meus pensamentos, lembranças e preces. Ouço vozes que falam somente aos meus ouvidos, cantigas de ninar, benditos e novenas, badalar de sinos das igrejas, barulho da correnteza do rio serpenteando no meio dos canaviais, trinados de sabiás e de xexéus rasgando o silêncio das manhãs de sol. Beijo os cabelos da mulher amada, e do seu rosto em meu peito colho o momento em que a eternidade faz morada em mim. Fito os olhos do filho idolatrado, amor tornado carne e sangue, e nas suas pupilas mergulho em sonhos que jamais pude realizar, intenções nunca concretizadas em atos e gestos. Também disso sou feito, do que é meu e morrerá comigo, como no belo poema do vate pernambucano. Nem sempre tenho palavras, eu que delas tiro sustento e vocação; muitas vezes é preciso procurá-las amiúde, cuidadosamente, como o velho filósofo que me inspirou o nome. E se não trago uma lanterna nas mãos, nem por isso deixo de perseguir o que me alumia a estrada comprida, em meio a livros e flores. Da avó guardo o aroma de alfazema e o olhar com a bondade toda do céu. Da mãe relembro o silêncio sábio e a aceitação de tudo quanto não se pode mudar. Faço-me criança toda vez que ponho os pés no chão, sempre que a chuva de vento cai de repente e bate em meu rosto com cheiro de bem querer. Chupo carambolas e mangas como se ainda tivesse nas mãos o tempo que me faz tanta falta. As madrinhas me dão o colo do afeto, despertando o menino que teima em não se embrutecer. Os cães que tive ? ou eles me tiveram? ? ainda correm em meu redor, lambem-me as mãos e abanam as caudas à guisa de saudação, afeto gratuito que me enternece e emociona. Considero bem vivido tudo o que foi experimentado até agora porque, no fim, tudo terá sido graça de Deus. Aproprio-me dos versos de Ferreira Gullar: ?Sou um homem comum/ de carne e de memória/ de osso e esquecimento./ E a vida sopra dentro de mim/ pânica/ feito a chama de um maçarico/ e pode/ subitamente/ cessar?.

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