Opinião
Na casa de Levi

Jesus comeu na casa de Levi, cobrador de impostos, na companhia de muitos pecadores que estavam à mesa. Quem nos conta é o evangelista Marcos. Alguns doutores da lei, que eram fariseus, criticaram-no por essa atitude, e a resposta de Cristo foi lapidar: ?Não são as pessoas sadias que precisam de médico, mas as doentes. Eu não vim para chamar os justos, mas sim os pecadores?. Era um escândalo para os conceitos da religião da época, quando os pecadores eram deixados de lado e ninguém queria sequer olhar para eles ? como se todos não cometêssemos pecados, como se cada um de nós também não arrastasse a cruz das suas limitações. É a velha mania humana que ainda persiste de enxergarmos somente os defeitos dos outros, incriminando-os, afastando-nos deles e não querendo que eles se aproximem da redenção. Na sala da minha infância, em Murici, havia um quadro de madeira onde se lia: ?É tão difícil julgar os homens que até mesmo Deus, para fazê-lo, espera primeiros que eles morram?. Em minha caminhada que já se faz longa, as pessoas menos falhas com quem convivi eram justamente aquelas que não criticavam ninguém, que não acusavam quem quer que fosse, que não se arvoravam em donos da verdade. Embora fossem, aos meus olhos, espíritos elevadíssimos, guardavam consigo a consciência plena das suas próprias limitações e não se permitiam esquecer da sua mera condição humana, por essência sujeita a deslizes e erros. Viam, ouviam e silenciavam, praticando a caridade mediante o jejum da língua, penitência tão difícil de se pôr em prática. Ao contrário disso, também tive a desventura de cruzar em meu trajeto com alguns algozes dos seus semelhantes, em desfavor de quem não se cansavam de lançar petardos de difamação ou expressões irônicas de inequívoca censura velada. Gente que adora rotular os outros, num maniqueismo irresponsável que beira o sadismo. Eu, de minha parte, aprendi ? embora com muito esforço e certa dor ? a não dar ousadia àqueles que não possuem autoridade moral para me fazer qualquer tipo de crítica. Cônscio que sou dos meus muitos defeitos, prescindo do dedo sujo que aponta para mim e dispenso a opinião de quem nada tem a me ensinar. ?Sou pequeno, mas só fito os Andes; sou cego, mas só peço luzes?, como nos versos de Castro Alves. Os que não me acrescentam coisa alguma, é melhor que nem notem que eu existo. Afinal, como repetia sempre dona Helena Peixoto, minha saudosa amiga das bandas do Curralinho, ?se o que é bom não me chega, sem o que é ruim eu passo?.