Opinião
As coisas celestiais

Sou católico desde que me enxergo como gente, primeiro por herança e tradição, depois por uma escolha pessoal minha. Diviso pontos positivos em diversas outras religiões e doutrinas, de muitos deles me valho para tornar menos falho esse meu caminhar terreno, mas é mesmo na velha Igreja Católica Apostólica Romana onde eu mais me encontro com as verdades íntimas que me dão o sentimento de pertença e de segurança de que necessito para seguir andando. Meu primeiro contato com as coisas do sagrado deu-se por meio de minha avó Izarele e da sua rotina cheia de rezas e benditos. No quarto que nós dividíamos, ela mantinha uma prateleira repleta de imagens de santos, além de um belo quadro de Santo Antônio que hoje está comigo, e de um móvel antigo no qual nunca faltava uma vela acesa para as suas devoções diárias. Vezes muitas eu acordava e ela estava ali, contrita, piedosa, pedindo sempre a Deus mais pelos outros do que por si própria. Toda noite era a mesma coisa: vovó nunca ia dormir antes de rezar o seu rosário, e só fechava os olhos depois de ter cantarolado baixinho o hino que marcou a minha infância: ?Coração santo, Tu reinarás; Tu, nosso encanto sempre serás?. Os santinhos eram como amigos seus, com os quais ela conversava e contava coisas como se faz com uma pessoa íntima. Aos meus olhos de criança, o céu tornava-se então uma coisa familiar, pertinho de nós como as casas dos vizinhos mais chegados. Depois, por volta dos meus oito anos, fui ser coroinha da Igreja Matriz de Murici. Foi ali que o encanto dos rituais, dos objetos sacros e das cerimônias solenes conquistou de vez a minha alma. Nas missas festivas, o cheiro forte do incenso inundava as minhas narinas e a fumaça ardia nos meus olhos, enquanto eu segurava o turíbulo antes de o Padre Geraldo Villas Bôas reverenciar com ele a imagem da nossa padroeira. Badalei muitas vezes o pesado sino que ainda está por lá, e na Sexta-Feira da Paixão andei rua acima e rua abaixo tocando a matraca de madeira. Na hora da consagração do pão e do vinho, tocar o sinete era para mim motivo da maior honra e emoção, Deus feito carne e sangue para nos redimir. Dia de Nossa Senhora da Graça, eu amava polir a coroa da santa e os raios que lhe saíam das mãos, cuidadosamente e com todo o meu carinho filial, deixando ainda mais belo o que já era lindo demais. Na Semana Santa, beijar o Senhor Morto era uma obrigação indeclinável, cumprida com respeito e sentimento diante do seu corpo ensanguentado. Tudo isso compõe o cenário das minhas crenças mais caras, semeadas em meu coração quando ele só tinha pureza e esperança, e até hoje me faz sentir o odor das coisas celestiais.