Opinião
Veneno contra veneno

Junto com a acachapante quase vitória de Bolsonaro no primeiro turno, já vieram as primeiras interpretações da mídia (acadêmicos, depois, escreverão seus enormes calhamaços). As origens do fenômeno estão sendo atribuídas às manifestações de rua de 2013. O PT e seus aliados estavam há uma década no poder e nada parecia poder detê-los. O motivo era o medo. Mais especificamente, a manipulação desse sentimento que dominou as mentes e os votos desde o início da redemocratização. O medo foi usado muitas vezes para afastar o PT do poder (?você vai ter que dividir seu apartamento com outra família?) e tantas outras, depois, para mantê-lo (?eles vão acabar com o Bolsa Família?). O antídoto era óbvio: educação. A esperança, porém, de libertar a população humilde da armadilha do medo era tão pequena que direita e esquerda se uniram, talvez pela última vez, para se lamuriar nas ruas naquele ano. O que ninguém adivinhou foi que os donos do poder (PT, MDB e PSDB) seriam derrotados não por um antídoto, mas pelo próprio veneno. Ele veio na mesma medida, mas em apresentação diferente. Os apoiadores de Bolsonaro hackearam o sistema. Sem o tradicional tempo de TV, provaram que a internet é muito mais poderosa. Como é impossível restringir o início da campanha nas redes, saíram anos na frente. Nas primeiras pesquisas, já apareciam tão à frente que bastou deixar o voto útil e o antipetismo fazerem o resto. Os ?bolsominions?, porém, não lutaram armados de flores. Diferentes em conteúdo, mas similares em estratégia, manipularam o medo com maestria. Mostraram-se mestres na milenar arte da criação de bichos papões: a Venezuela, o Foro de São Paulo, a ideologia de gênero e, claro, o primeiro e maior de todos eles, o ?kit gay?. Além disso, se beneficiaram de dois fatores decisivos. Bolsonaro é um bom material bruto para trabalhar a esperança, já que não estava envolvido no esquema que a Lava Jato demonstrou abarcar quase todo mundo (mais de mil políticos) e jurou nomear técnicos para os ministérios (outro sonho antigo dos brasileiros). O outro fator, o mais sinistro dessa eleição, é que seus defeitos (o elogio da tortura suplanta todos os outros) foram placidamente ignorados quando empacotados como parte de um produto conservador único. Bolsonaro fez o PT, seus aliados e até seus antigos inimigos provarem do próprio veneno. Enquanto isso, a cura parece cada vez mais distante.