Opinião
O ser humano e a transcendência

O ser humano é um ser que não nasce definido, pré-determinado, pré-moldado, mas se constrói e se constitui na experiência histórica. É um ser nunca pronto, inacabado, capaz de tudo como se vem constatando em nossa pátria. Nasce frágil e o mais cruel para seus compatriotas. Mas, por possuir potencialidade, poderá vir a ser o mais importante dos seres. É um ser que transcende os limites impostos pela sua corporeidade e pela natureza e capaz de projetar-se para um mais além e para o mais indigno só pela sua indignidade. O que pretendemos desenvolver nesta reflexão é a de que a transcendência não se limita à dimensão religiosa, mas é constitutiva da própria identidade humana. É a dimensão da transcendência que possibilita ao ser humano a superação de sua natureza bruta e o transforma em humanidade; é a dimensão da transcendência que impulsiona o ser humano a buscar novas maneiras de viver e sobreviver, de se relacionar com os outros, de criar e recriar a cultura; é a transcendência que possibilita ao ser humano violar o imposto, o proibido, o determinado; é a dimensão da transcendência que vitaliza e nutre o homem a se ?erguer das cinzas? e acreditar que é possível um novo tempo, um novo mundo, uma nova humanidade, um novo relacionamento, um novo modelo econômico, uma nova organização política e uma contenção da ambição criminosa. Esta é nossa dimensão de imanência. ?Mas somos simultaneamente seres de abertura?, pois ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções, ninguém é capaz de aprisionar-nos totalmente. ?Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nascem livres, e sua essência está na liberdade?. Esta é a nossa dimensão da transcendência que nos possibilita romper barreiras, superar os interditos, ir além de todos os limites, tanto no amor como no ódio. Poderíamos citar muitas situações da transcendência humana. Exemplos que emergem do cotidiano, que são narrados na literatura, na poesia, nas obras de arte e na música. O próprio Leonardo Boff no seu livro Tempo de Transcendência cita vários na belíssima obra acima referida. Experiências que vão desde o enamoramento até a descrição dramática das memórias de Rudolf Hess, diretor nazista do campo de extermínio de Auschwitz, que mandou mais de um milhão de judeus para as câmaras de gás. Boff capta em suas memórias, escritas antes do seu julgamento em Nuremberg. Foi quando mandou para a câmara de gás uma mulher com cinco filhos. A mulher suplicou de joelhos para que ele poupasse as crianças. Ele ficou perplexo por um momento, mas com um gesto brusco mandou que levassem todos. É nesse momento que, no relato das suas memórias, ele comenta: ?Aquele olhar da mulher não posso jamais esquecer. Ele me persegue sempre, até os dias de hoje, porque havia nele tanto enternecimento, tanta súplica, tanta humanidade, que eu me senti o inimigo da própria humanidade?. Até no nazismo mais brutal ele se recusa a aceitar a realidade na qual está mergulhado porque se sente maior do que tudo o que o cerca e rompe todos os espaços.