Opinião
Azul x Encarnado

Por duas décadas sofremos com a repressão e o autoritarismo de uma ditadura militar. Foram anos duros, traumáticos. O regime censurava todos os meios de comunicação, sem exceção. Invadia, quebrava, baixava o cacete, empastelava os textos escritos nas caixas dos linotipos dos jornais e revistas, prendia, torturava, exilava, forjava suicídios (falam em 44, número contestado pela Comissão da Verdade), tendo como a mais polêmica das atrocidades a morte do jornalista Vladimir Herzog, exposto enforcado no cárcere e de grande repercussão internacional. Os números tantos anos depois não batem com exatidão. Podem ter sido 357 mortes entre as 600 vítimas reivindicadas com os mais de 1100 índios assinados pela crueldade de proprietários de terras e o Estado. Por isso, quem viveu nos chamados anos de chumbo fica colérico quando algum tresloucado afirma friamente que não houve ditadura no Brasil. Este colunista muito jovem, tem tristes lembranças de fatos com pais e familiares de amigos de convivência e o terrível clima de apreensão nas sinistras madrugadas. Quando vejo em manifestações de rua cartaz pedindo a volta da ditadura prefiro admitir que é apenas um ?inocente útil? precisando de um bom psiquiatra. Philippe Pinel, pai da psiquiatria moderna, definiu loucura como ?alienação mental?, sujeito que perdeu completamente o equilíbrio de pensamentos e atitudes. Vive fora do contexto no convívio cotidiano. Penso que alguns milhares de brasileiros estão em crise mental ocupando um ambiente onde ninguém mais se respeita. Dá para imaginar um planeta esquizofrênico povoado de bipolares extremistas de esquerda e direita que se odeiam. Errado. Um dos principais pilares das democracias é a liberdade de expressão, religião, proteção do direito do cidadão de ir e vir. Participar da vida política, econômica e cultural quando lhe convém. O direito de divergir, pensar diferente das convicções do outro com respeito. Posso não concordar com as atitudes grosseiras e estimuladoras de discórdia do Presidente Bolsonaro e aliados próximos. Ter convicção de que é despreparado para o exercício do cargo. Entretanto, que opção tinha a maioria votante? Nada, porém, justifica ser antipatriótico torcer pelo ?quanto pior, melhor?. Não posso desejar o fracasso do governo apenas porque é inábil na relação institucional com a imprensa (às vezes intempestiva), o congresso e situações que não o agradam. Falta-lhe expertise para pacificar, sabemos. Quando o prato principal é feijão com arroz e outras guloseimas estão postas à mesa, com boa vontade se transforma em ceia saborosa. O capitão, como falei outras vezes, não está só. Gente capaz participa diretamente do grande desafio de conduzir o país por caminhos promissores. Manifestações populares favoráveis ou contrárias, fazem parte do jogo democrático e por isso mesmo azul e encarnado não precisam trocar chumbo num campo de guerra. Cobrar seriedade e urgência dos poderes na aprovação das mudanças e reformas indispensáveis é tarefa da sociedade que está angustiada com a paralisação da economia, com os milhões de desempregados, miséria, violência, educação, saúde. Bolsonaro, entre trancos e barrancos, com sua imprudência verbal ou não, entre paixão e antipatia, é o Presidente do Brasil e precisa do apoio dos brasileiros sem distinção de ideologia antes que empurremos nosso presente e futuro para as profundezas do poço com lágrimas, dor e sofrimento.