Opinião
Conselho, se fosse bom...

JOSÉ MEDEIROS * A sabedoria popular criou expressões, provérbios e ditos populares, que, se bem apro-veitados, dão graça e vida às conversas e bate-papos. Um desses provérbios, muito co-nhecido, diz: conselho se fos-se bom, não seria de graça, se-ria vendido. Lembro-me bem dessa expressão popular, por-que era habitualmente repeti-da por uma amiga carioca, dona Arlete, esposa do advo-gado Manuel Alves Correia Nunes, português de nasci-mento e brasileiro de coração, que mantinha o sotaque lusi-tano bem nítido. Dr. Manuel, detentor de uma rica persona-lidade, teve destacada presen-ça no cenário em que viveu, por sua atuação jurídica e trabalho em favor dos carentes da região onde morava. Com esse casal, fiz uma viagem à Europa e muito tive a ganhar pela alegre companhia, solidariedade e espirituosidade de dona Arlete, uma criatura extraordinária. Quando reclamava alguma coisa do marido, dizia sempre: é inútil, ele não vai me ouvir; é surdo de um ouvido e, por conveniência, dos dois. Durante a viagem que fizemos, quando arengavam e discutiam, ela me recomendava: Medeiros, fique bem longe disso; em briga de marido e mulher, ninguém deve meter a colher. Mantínhamos regular correspondência, e, todas as vezes em que eu ia ao Rio de Janeiro, a residência deles era um ponto obrigatório de reunião, com boa conversa e bom vinho português. Já se vão alguns anos quando dona Arlete me telefonou com voz embargada e soluços convulsivos; e, antes que eu perguntasse a razão, foi direta ao assunto: o Manuel morreu! Fiquei sem palavras, sentia necessidade de confortá-la, mas não encontrava um modo adequado de fazê-lo. Ela continuou: e ele foi o culpado, não levava em conta o que eu dizia. Chegava do escritório, jantava bem, se sentava na poltrona e somente se levantava na hora de dormir. Assombrado com a notícia da morte desse amigo, de 49 anos, que, aparentemente, vendia saúde, arrisquei a pergunta: De que morreu o dr. Manoel? De infarto do miocárdio e de falta de cuidados com ele mesmo. Quem senta muito tempo depois do jantar, morre mais cedo, afirmou, com convicção. Recentemente, li um trabalho que assegura que os chineses mantêm o hábito de caminhar depois das refeições, o que ajuda a fazer a digestão. E acrescenta: o café da manhã não deve ser dividido com ninguém, deve ser bem substancioso e farto; o almoço deve ser leve e pode ser dividido com o melhor amigo; o jantar, porém, ofereça-o aos inimigos e eles terão vida mais curta. D. Arlete, filósofa da sabe-doria popular, costumava di-zer: Cuide-se, sempre, para que a vaca não vá para o brejo. Ela e o dr. Manoel foram ami-gos certos, desses amigos com quem se podia contar sempre. Desgosto, pode matar? D. Arlete morreu de tristeza e so-lidão alguns meses após o fale-cimento do marido. Recusou os conselhos dos amigos, des-cuidou-se de si mesma. (*) É MÉDICO E EX-SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE