Opinião
O papa e o aborto

| Marcos Davi Melo * A visita do papa Bento XVI traz além do estímulo à fé dos católicos, um aparato gigantesco de segurança, muito superior àquele formado para a visita de Bush; também, acessoriamente, a abertura de espaço para a discussão de temas concretos, polêmicos e inadiáveis, como o aborto. O aborto vem sendo abordado majoritariamente pela ótica religiosa, quando é uma questão eminentemente de saúde pública. A proibição do aborto não evita que ele seja praticado desenfreadamente no País de forma clandestina. As complicações da sua realização nestas condições precárias, levam às maternidades e hospitais que atendem ao SUS no Brasil mais de 1 milhão e meio de mulheres todo ano, quase todas jovens e pobres. O ministro da Saúde, apropriadamente, abriu a discussão do tema. Sugeriu um plebiscito nacional ( onde ele sabe que será derrotado ), mas cujo debate abriria pelo menos a possibilidade de se conhecer a realidade sobre a questão. A realidade sobre o aborto vai mostrar que ele é realizado à larga, de forma clandestina, em situações precaríssimas, causando complicações graves e mortes de jovens mulheres, que, além disso, não terão condições mínimas para criar estas crianças; futuras parias a lotar as ruas e esquinas, de onde migrarão para as drogas, a violência e a criminalidade, engrossando os batalhões de criminosos no País. Estudos realizados por centros de referência internacionais já mostraram que a adoção do aborto, teve entre os seus corolários, a redução da criminalidade nas ruas. Em médio e longo prazo, entre as seqüelas observadas para as mulheres que praticam o aborto nestas condições, está o câncer do colo uterino, que acomete mais de 30.000 mulheres anualmente no Brasil e mata pelo menos 15.000. O plebiscito público sobre o aborto é não só uma necessidade, como uma tentativa de avançar na superação da hipocrisia que norteia o debate da coisa pública no País. Vai mostrar que o aborto é praticado rotineiramente no Brasil de forma clandestina, precária e humilhante para as mulheres pobres, ceifando-lhes incontáveis vidas. Enquanto isto, as abastadas o realizam de forma segura e confortável. A convivência da sociedade com esta situação discriminatória, sem reconhecê-la e debatê-la, fazendo de conta que não existe, assegura a manutenção de privilégios para as classes mais abastadas, em detrimento das mulheres humildes, que no desespero, o usam e continuarão usando, precariamente, como única e derradeira alternativa. (*) É médico e professor da Uncisal.