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Opinião

Comentário a respeito de João

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Por Agamenon Magalhães Júnior. ensaísta, gramático e educador | Edição do dia 13/11/2019 - Matéria atualizada em 13/11/2019 às 06h00

Sento à mesa e sobre ela coloco centenas de provas para corrigir. Tenho pouquíssimo tempo. Nesses momentos de concentração total, meu bom humor quase desaparece, até eu concluir a tarefa à qual me dedico. Exijo silêncio sempre. No mesmo instante do trabalho, meu filho (senhor de si e no auge de seus cinco anos de idade) entra na sala com toda a autoridade que lhe cabe, liga a TV (ele não percebe que eu estou muito ocupado), localiza o canal de esporte em que passará o jogo do nosso time e aumenta o volume: a partida do Vasco da Gama começaria logo, logo.

Minha reação foi típica de um homem que denota mau humor. “Papai está trabalhando, João. Preciso me concentrar nesse serviço”, disse-lhe com paciência. Ele apenas olha para mim e afirma com a maior inocência: “Tudo bem, pai, fico quietinho; mas, na hora do futebol, quero o senhor aqui comigo, bem pertinho. Jogo, sem o senhor junto de mim, não tem graça”. Essas palavras do meu João me desarmaram. Não tive coragem de mandá-lo sair do ambiente onde estávamos, tampouco de continuar trabalhando. Estranhamente à minha natureza, parei tudo. Coloquei a pilha de provas de lado. Aquela presteza profissional não fazia mais sentido naquela ocasião. Pulei no sofá e me pus a compartilhar aquelas poucas horas com meu menino. Felicidade pura. Acredito que a presença física do pai na vida dum filho é vital para o desenvolvimento afetivo da criança. Sempre que posso, levo meu João à escola ou vou buscá-lo depois das aulas; passo horas fazendo atividades práticas, desenhando ou pintando seus heróis favoritos; não abro mão de ler uma pequena história antes de ele ir dormir e dedico minhas horas de folga ao garoto, numa logística digna de filme hollywoodiano. O político e escritor Coelho Neto foi preciso ao registrar: “É na educação dos filhos que se revelam as virtudes do pai”. E, diga-se, educação e felicidade de filho começam desde cedo e, se possível, com a presença física dos responsáveis; juntam-se a isso compromisso e comprometimento. Quanto mais tempo e atenção dedico a meu João, mais seguro e feliz ele fica. Não consigo imaginar um caminho mais apropriado à natureza paterna. Ganham com isso pai e filho. Tudo parece óbvio, mas precisei de muito tempo até aprender essa lição de vida. É comum ouvir de homens desculpas para a ausência paterna, todas elas relacionadas ao excesso de trabalho. Sem exceção, todos se arrependem. O próprio tempo se encarrega de conscientizá-los da necessidade de tê-los junto aos filhos. Quando deixei a resma de provas em cima da mesa para assistir à partida de futebol com meu filho, vi seus olhos brilharem, como alguém (apesar da pouca idade) que se sente amado e protegido. Naquele momento, ao olhá-lo extasiado com o desenrolar da nossa história (e como quem tivesse consciência da própria felicidade), lembrei-me duma requintada letra do poeta Belchior, em que faz referência a John Lennon. O poema ilustrou bem aquele cenário de amor e cumplicidade: “João, o tempo andou mexendo com a gente... a felicidade é uma arma quente”.

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