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ARTIGO

Ensaio sobre a culpa de Capitu

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Machado de Assis foi um gênio. Criou personagens, narrativas e enredos incríveis, que permanecem vivos nas páginas mais nobres da literatura, depois de um século e meio. A forma como se lê, interpreta ou vivencia o mundo mudou, mas o universo machadiano ainda nos é relevante.

Toda a obra de Machado continua atual, contemporânea aos assuntos mais importantes para as rodas de debates em 2020. Observe-se Dom Casmurro, por exemplo. O livro está recheado de termos com os quais o homem moderno ainda se preocupa: família, ciúme, adultério, loucura, velhice. A maneira como o autor costurou todos esses temas numa história única é que cativa leitores do mundo todo. A cereja do bolo, entretanto, fica por conta do equilíbrio estilístico e psicológico utilizado na obra, por isso uma pergunta talvez continue sem resposta: “Capitu traiu o marido?”. Dependendo do estado de espírito de quem lê o livro, a resposta muda, às vezes é “sim”, às vezes “não”. Tenho a minha.

A respeito de Capitu são-me consideradas algumas passagens que revelam esse adultério. Ela é chantagista, comprovação lida em duas passagens no capítulo 44: “Se você tivesse de escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolheria? (...). – Você deixa seminário, deixa sua mãe, deixa tudo (...)”; aqui fica claro que ela chantageia Bentinho, desafiando-o a viver somente para servi-la. Noutro trecho, ela impõe: “Não, Bentinho, disse, seria esperar muito tempo; você não vai ser padre já amanhã, leva muitos anos... Olhe, prometo outra coisa: prometo que há de batizar o meu primeiro filho”. O episódio nos indica que Capitu arquitetava seus desejos sem se importar com o bem-estar dos que a cercavam. Sua vontade deveria prevalecer, mesmo que trouxesse infelicidade aos demais. No velório de Escobar, o (suposto) amante de Capitu, relata-se o comportamento da protagonista, cap. 123: “(...) Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas (...)”. Machado insinua que Capitu se comportou como se ela fosse a viúva do finado. Pior, o advérbio “apaixonadamente” nos induz a crer que ela estava sofrendo pela morte do verdadeiro pai do pequeno Ezequiel. Ressalte-se que Bentinho sempre foi apaixonado por Capitu (cap. 33): “Mas, enfim, os cabelos [de Capitu] iam acabando, por mais que eu quisesse interminável. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os de Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois”. Aurora era a deusa da manhã, sua tarefa era abrir para o Sol as portas do Oriente. Bentinho coloca a esposa no mesmo nível das figuras mitológicas. Há quem diga que as acusações de Bentinho à sua mulher são o resultado duma mente falha. Engano. No cap. 94, as lembranças são vivas, parecem ser recentes, embora se passassem 40 anos: “Escobar apertou-me a mão às escondidas, com tal força que ainda me doem os dedos (...)”. A memória do Casmurro lhe era fiel, ao menos ela. Sobram-me argumentos contra Capitu, ainda que influenciado pela última leitura dessa obra-prima.

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