Opinião
Tempo quaresmal

DOM FERNANDO IÓRIO * Dos pés à cabeça, estamos envolvidos no tempo. Que tempo é este? O tempo favorável da Quaresma. O tempo é salvífico, portanto, adverte-nos Paulo (II Co 5.20), reconciliai-vos com Deus. Quaresma é caminho da Páscoa. São 40 dias de caminhada no deserto da existência humana. Quaresma é, portanto: caminhada, deserto e existência humana. Como um prolongado caminho gosta o ser humano de descrever a própria existência. Do dealbar até o ocaso da vida, carrega o ser humano essa condição peculiar de caminheiro. Caminhar é sempre aquele necessário sair em busca do novo. O povo de Deus, guiado por Jahwé, fez-se a caminho, desde o Egito a Canaã, num longo itinerário de 40 demorados e arrastados anos. Jesus foi caminheiro, itinerante até a última caminhada para Jerusalém, onde concluiu seu itinerário pascal. Além de caminhada, Quaresma é deserto. No deserto, viveu Jesus, relata o texto sagrado, 40 dias sem comer, nem beber. Não se trata de número aritmético, senão simbólico, bíblico, servindo para expressar salutar período de presença, ação e revelação de Deus na vida e no mundo dos seres humanos. Deserto, mais que lugar geográfico, é situação humana e cenário de prova. Como, para Cristo, também para seu discípulo, deserto é prova e tentação, é oportunidade para aquela intensa fidelidade a Deus. Se o deserto é o estado de ligação íntima com o Senhor na calada e sonora sinfonia do estar só, é o espaço onde se joga a carta de nossa grandeza e de nossa miséria. Em suma, da Quarta-feira de Cinzas até o Domingo Pascal, deserto é caminho obrigatório. Caminhada e deserto, Quaresma é existência humana. Inseriu-se Cristo na caminhada existencial do povo, durante 40 dias, vivendo a experiência dolorosa da tentação do pão, do poder e do vaidoso aplauso. São as tentações que sofremos, hoje, do possuir, do querer mandar, do desejar aparecer, na exibição e no triunfalismo, a serviço de nossos interesses. É o desejo famélico de estar sempre no pódio. Podemos ser tentados em plena existência humana, como Jesus; entretanto, o seu pedido ao Pai é que não nos deixe cair. De certo, ser tentado é próprio do ser humano. O importante é não cair em tentação, durante nosso titubeante caminhar pelo deserto da existência humana. (*) É BISPO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS