C�rculo vicioso
HUMBERTO MARTINS * A prisão de Rubens Sabino da Silva, 19, o Neguinho, integrante do elenco principal do filme Cidade de Deus, no momento em que roubava a bolsa de uma passageira de ônibus, no Rio de Janeiro, faz com que, novamente, a realidade copie a f
Por | Edição do dia 24/06/2003 - Matéria atualizada em 24/06/2003 às 00h00
HUMBERTO MARTINS * A prisão de Rubens Sabino da Silva, 19, o Neguinho, integrante do elenco principal do filme Cidade de Deus, no momento em que roubava a bolsa de uma passageira de ônibus, no Rio de Janeiro, faz com que, novamente, a realidade copie a ficção. Neguinho, que vive em condições miseráveis, no Rio de Janeiro, foi selecionado para trabalhar no filme Cidade de Deus, conseguiu notoriedade nacional e até internacional com o seu desempenho. Por indicação de alguns dos que participaram do filme, foi mandado para uma escola, em São Paulo, tendo asseguradas moradia de boa qualidade, alimentação e pequena ajuda para despesas diárias. Largou tudo, voltou ao Rio de Janeiro e envolveu-se em ilícito penal grave. Há algumas décadas, famoso filme do diretor Hector Bebenco, projetou para o Brasil e para o mundo a figura do menino Pixote. Anos após, sem novas chances artísticas, influenciado pela miséria e pela delinqüência com que convivia na favela onde morava, Pixote envolveu-se em assaltos e terminou seus dias sendo morto pela polícia. Neguinho e Pixote, têm em comum, o fato de serem integrantes da imensa legião de milhões de crianças e adolescentes brasileiros que fazem parte de famílias a que não têm trabalho, amontoam-se em taperas, amanhecem o dia sem ter o que comer, não têm lazer, nem educação, nem assistência médica e, convivendo com incontáveis meninos na mesma situação, derivam para o crime como meio de subsistência. Geralmente, integram-se em organizações criminosas de grande porte, que atuam preferencialmente no comércio de tóxicos ou em seqüestros e assaltos a bancos, lojas e residências. Na quase totalidade das localidades onde jovens como Neguinho e Pixote vivem (vivia, no caso de Pixote), a autoridade mais presente é a da criminalidade e dos seus chefes todo-poderosos. Nessas localidades, a polícia só entra em comboios, cuja presença é efêmera. Neguinho e Pixote, a exemplo de milhões de outros jovens brasileiros, conheceram a oportunidade de um trabalho, a evidência, a relação cordial com outros indivíduos, alimentando-se regularmente, desfrutaram, de lazer, mas, passada a chance que tiveram, foram lançados de volta à escuridão de suas vidas miseráveis e adentraram pela porta do crime oportunidade para usufruírem de bens materiais que a vida insistia em lhes negar. No caso de Neguinho, com agravantes de ele não ter se adaptado às oportunidades que continuavam a lhe ser oferecidas, por se sentir atraído pelo ambiente onde está sua família, onde estão seus amigos, os companheiros de adversidade e desventuras. A concentração de renda e a estagnação econômica que fazem dos brasileiros uma ínfima minoria de privilegiados e uma imensa maioria de miseráveis multiplicam suas conseqüências deletérias, como no caso de Neguinho e Pixote, pelas gerações que se sucedem, aumentando a insegurança e a criminalidade. Enquanto a sociedade não se mentalizar o suficiente para inverter esse círculo vicioso, esse quadro social agudo continuará se agravando. A sociedade brasileira convive com duas realidades, dos poucos que têm tudo e dos muitos que não têm nada. Precisamos, sim, mudar este quadro, com maior distribuição de renda, mais trabalho, mais solidariedade humana, oportunizando igualdade para todos. Os brasileiros aguardam, ainda, com esperança, a retomada do crescimento do País, com justiça social. Já faz parte do cotidiano, o rotineiro círculo vicioso perverso a que estão sujeitos milhões de irmãos brasileiros, hoje, levados à marginalidade. É de bom alvitre alertar, o Brasil é dos brasileiros! (*) É DESEMBARGADOR DO TJ/ALAGOAS