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Nº 5759
Opinião

Falando a verdade...

WALMAR BUARQUE * Numa situação semelhante onde o tirano cruel, vaidoso, chamado Dionísio, que vivia cercado por uma corte de bajuladores, que não se atreviam a dizer-lhe senão elogios embora o criticassem duramente pelas costas. Dionísio tinha como vaid

Por | Edição do dia 21/03/2002 - Matéria atualizada em 21/03/2002 às 00h00

WALMAR BUARQUE * Numa situação semelhante onde o tirano cruel, vaidoso, chamado Dionísio, que vivia cercado por uma corte de bajuladores, que não se atreviam a dizer-lhe senão elogios embora o criticassem duramente pelas costas. Dionísio tinha como vaidade considerar-se poeta e não perdia oportunidade de fazer versos e submetê-los aos cortesãos, que o elogiavam e aplaudiam, como também não deixavam de expressar sua admiração por seu gênio. E assim Dionísio ficava muito satisfeito. Contudo, não satisfaziam a Dionísio apenas as considerações dos bajuladores e ele insistia em que o mais culto dos homens de Siracusa, na Sicília, o filósofo Filoxemo, ouvisse seus versos e também louvasse seu talento como poeta. E assim foi feito. Filoxemo se apresentou a Dionísio, que mal podia esperar as palavras de admiração e louvor à sua arte de fazer poesia. Filoxemo foi direto e objetivo, afirmando que aquilo não era poesia e que Dionísio não poderia considerar-se um poeta. Dionísio, no alto do seu poder e na ira de sua tirania, decretou a prisão de Filoxemo, que no meio dos piores bandidos ficou por algum tempo preso. Quando do conhecimento, por parte dos amigos de Filoxemo, da prisão do filósofo e amigo, fizeram pressão através de carta e pedidos para que Dionísio o soltasse. Não se sabe a razão mas Dionísio tomou essa atitude. O libertou e o convidou, e a seus amigos, para um banquete. Essa seria a condição para a liberação de Filoxemo, que foi junto com seus amigos. Não era exatamente o desejo de Dionísio comemorar a liberdade de Filoxemo mas, sim, de submetê-lo mais uma vez a declamações de seus poemas que ele e seus cortesãos achavam excepcionalmente bons. Era assim que os aduladores manifestavam a mesma opinião, a julgar por seus gestos e elogios; mas Filoxemo continuava em silêncio, sem que a expressão do seu rosto traísse o seu veredicto. Dionísio, impaciente, vendo que Filoxemo não si manifestava, disse: “Filoxemo, qual a sua opinião sobre este meu novo poema?” Filoxemo dirigiu-se aos guardas do palácio e disse, em tom de repugnância: - “Levem-me de volta ao calabouço!” É sempre assim, os poderosos se cercam de bajuladores e esquecem de ouvir o clamor e as informações que vêm das ruas, daqueles que estão no dia a dia lutando, travando uma batalha silenciosa e desgastante de defender as crianças, adolescentes e jovens adultos que abandonados por todos às vezes, e por sorte, encontram refúgio em uma entidade, uma organização, em um coração humano que os ajudam a sobreviver nessa loucura de vida, determinada para muitos no mundo da exclusão total de direitos e oportunidades. Os números são terríveis: 84% da população são analfabetos ou semi; 52% vivem na miséria absoluta; 1,5% dominam a economia do Estado. Temos uma das maiores concentrações da renda do País. Aqui os poderosos não são presos; aqui a injustiça social se mostra no número de mortos por mil nascidos e no abandono dos que sobrevivem. A violência doméstica e institucional é gritante visualmente nas ruas, onde estão jogados à própria sorte, e nos casos notificados nos jornais. A violência é verdadeira, quer ele acredite ou não e ela será transparente quando deixar o poder e, como nós, se deparar com ela no dia a dia nos sinais, grotas, em baixo das pontes, das marquises e nas sarjetas e, futuramente, em baixo do viaduto Ib Gatto. Acredite que, se pode melhorar, é agora que tem a chance de fazer algo para, pelo menos, diminuir esses números, pois nada foi feito pelos meninos e meninas de rua tão abandonados que, além do abandono, hoje estão sendo dizimados num verdadeiro massacre social e político e se tenta calar as consciências e o clamor público com iniciativas inócuas acreditando-se cortar o mal pela raiz quando se corta, em praça pública, os cabelos desses meninos ou se encena um pretenso encaminhamento a instituições governamentais que nem mesmo existem ou àquelas não governamentais tão ou mais “desassistidas” que os próprios meninos, incapazes de dar a estes um mínimo de atendimento já que são privadas de qualquer ajuda por parte das autoridades que deveriam assisti-las. Voltando à narrativa de Filoxemo: os cortesãos ficaram horrorizados diante de tão óbvia declaração. Apavorados aguardaram a reação de Dionísio mas o tirano, embora um poço de vaidade, tinha um certo respeito pela coragem moral. Deixando os aduladores trêmulos de medo voltou-se, com um sorriso, para o imperturbável Filoxemo e deu-lhe permissão para ir em paz. (*) É COORD. DO PROJETO CATARSE

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