Opinião
Mestre-sala dos mares

Foi declarada, no dia 12 de agosto de 2003, a anistia aos participantes da Revolta da Chibata, evento acontecido 93 anos antes. Quase um século depois, a Nação ?esquece? a revolta dos marinheiros contra o uso de castigos físicos na Marinha brasileira. A rebelião sacudiu a Capital da República no dia 22 de novembro de 1910; a gota d?água havia sido a determinação do castigo de 25 chibatadas, contra o marujo Marcelino Rodrigues Meneses, tripulante do encouraçado Minas Gerais. João Cândido Felisberto, marinheiro de primeira classe, negro gaúcho nascido na cidade de Encruzilhada em 1880, assumiu o comando da rebelião, que primeiro dominou o Minas Gerais e depois se espalhou para os navios São Paulo, Bahia e Deodoro. Comunicaram ao governo suas reivindicações e ameaçaram bombardear a capital. A população carioca procurou distância dos prédios governamentais e subiu os morros para apreciar a grande habilidade dos marinheiros, que manobravam os vasos de guerra com tal destreza que se imortalizou a legenda de ?Almirante Negro? para João Cândido. Depois de três dias de tensão e negociações, o governo federal respondeu que atenderia a todas as reivindicações dos rebeldes. Em caráter de urgência, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que acabou com as chibatadas. Mas quando os amotinados entregaram o comando dos navios, foram traídos e a promessa de anistia esquecida. O ?Almirante Negro? ou ?Mestre-Sala dos Mares? (segundo música de João Bosco) foi jogado à prisão, seus companheiros de sedição sofreram todas as represálias. Depois de anos encarcerado, expulso da Marinha, João Cândido sobreviveu pobre, vendendo peixes na Praça XV (Rio de Janeiro), até 1969, quando morreu no dia 6 de dezembro. Em 2003, não existe mais nenhum revoltoso vivo para comemorar a anistia e muito menos usufruir da disposição legal que lhes restabelece os postos e promoções devidas. Talvez seus descendentes diretos possam receber algum alento, quiçá alguém ainda possa fazer jus a uma pensão. Corrigida a injustiça histórica, permanece indelével a lamentável tradição brasileira de não se reabilitar, em tempo hábil, as vítimas de perseguições e injustiças políticas.