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Opinião

Conhecimento e contradição

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Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 07/12/2019 - Matéria atualizada em 07/12/2019 às 06h00

Em sua obra “História Social do Conhecimento”, Peter Burke registra que na Roma antiga, o filósofo Sêneca, em sua carta a Lucílio, já aconselhava o discípulo a não folhear os livros, o que comparava a brincar com comida. Francis Bacon, séculos depois, desenvolveu a mesma comparação entre ler e comer em seu ensaio “Dos estudos” ao distinguir três maneiras de usar os livros: “Alguns livros são para provar, outros para engolir e uns poucos para mastigar e digerir”.

Os livros e o seu potencial de coletar e distribuir o conhecimento só passaram a ser uma ferramenta de grande desenvolvimento quando Gutenberg inventou a impressão por tipos móveis. O tosco conhecimento da Era Medieval estava restrito à Igreja, de onde migrou para a sociedade com o advento da Imprensa, o que contribuiu para surgimento do Renascimento, da Revolução Científica e do Iluminismo, marcos do início da Era Moderna. A distribuição do conhecimento, entre eles o conhecimento científico e humanístico, que tantos grandes avanços trouxe para a humanidade, não foi desprovida de ferozes resistências e brutais tentativas de bloqueio, exemplificadas com a posição do cardeal Richelieu, que em seu Testamento Político afirmou: “O conhecimento não devia ser transmitido às pessoas do povo, para evitar que ficassem descontentes com sua posição na vida”, e, principalmente, com a proibição de circulação de obras, como A Nova Astronomia e A Harmonia do Mundo, de Kepler, de obras de Lutero, Calvino, Rousseau, Descartes, Pascal, Bacon, Voltaire, que constavam do Índex da Igreja, a primeira grande estrutura de censura na história. A elaboração e a distribuição do conhecimento têm superado severos embates e demonstra que a democracia é o único regime onde ele evolui e se aprimora, e onde se pode debater e contestar tudo , até mesmo os avanços da ciência, até que as evidências erradiquem quaisquer dúvidas sobre a matéria.

Assim como a liberdade de expressão e a imprensa livre também lhe são indispensáveis. O atual governo brasileiro tem desprezo pelas evidências da ciência em relação às mudanças climáticas que ameaçam o planeta Terra, nega o aumento das queimadas na Amazônia e chega a fazer afirmações tragicômicas - como não existir racismo no Brasil, os Beatles serem parte do movimento comunista internacional, o nazismo ser de esquerda e tantas outras extremamente bizarras -, mas que são injustificáveis pela desinformação levada à uma população já inculta e vulnerável perante inverdades que possam contribuir ainda mais para a sua indefesa ignorância. Um governo que aprova no Congresso um almejado Pacote Anticrime, cujo combate se faz só e totalmente em cima do conhecimento, e daí, no combate às falcatruas e à corrupção, como se deu no Mensalão e na Lava Jato, não pode aceitar uma acusação (via ex-líder do governo na Câmara) de ter dentro do Palácio do Planalto um grupo de colaboradores, pagos com dinheiro público, que usa notícias falsas e as “fake news” para destruir adversários ou pseudo-adversários. Seria isso uma tremenda contradição com o discurso governamental, precisando ser devidamente esclarecido e levado ao conhecimento público com celeridade.

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