Retratos do tempo
JOSÉ MEDEIROS * Uma lenda oriental conta a história de um deus do Olimpo que veio à terra conhecer seus habitantes, homens e mulheres. Apaixonou-se por eles. Resolveu oferecer-lhe um presente. O que daria? Algo que agradasse a todos. Parar o tempo, talve
Por | Edição do dia 27/03/2002 - Matéria atualizada em 27/03/2002 às 00h00
JOSÉ MEDEIROS * Uma lenda oriental conta a história de um deus do Olimpo que veio à terra conhecer seus habitantes, homens e mulheres. Apaixonou-se por eles. Resolveu oferecer-lhe um presente. O que daria? Algo que agradasse a todos. Parar o tempo, talvez fosse a melhor decisão. Parando o tempo ninguém envelheceria, ninguém morreria, ninguém sofreria desgastes. Não haveria sucessão de anos, meses e dias. O tempo deixou de passar. Semanas depois, a aprazível residência terrena desse simpático deus foi invadida por crianças, adultos e velhos. Todos protestavam. Uma revolução? Crianças desejavam crescer, tornar-se jovens, ser adultos; não queriam continuar crianças a existência inteira. Adultos queriam ver os filhos crescerem e ansiavam por novas emoções. E os idosos esbravejavam contra as limitações da idade, achaques e reumatismos. O ser supremo sentiu compaixão por esses pobres mortais tão incompreensíveis, alienados, repletos de ingratidões. Gradualmente, seu sentimento de ternura transformou-se em desprezo, raiva e ira. Pensou e decidiu. Farei o que vocês querem. O tempo voltará a passar. Entretanto, uma condição será acrescentada: os momentos de prazer, de alegria, de contentamento, serão rápidos, breves e fugidios. Os momentos de dor, de incerteza e de solidão custarão a passar, serão morosos, demorados e aflitivos. O tempo virou castigo divino. Shakespeare definia instantes de dor e de pranto como horas mais cruéis das quantas viu o tempo em sua lenta e eterna romaria. Dificilmente alguém escapa dessas fatalidades, perdas irreparáveis, tristezas e desespero. Quem acredita em um Deus maior que preside ações humanas encontra lenitivo e força espiritual para superar momentos de infinita angústia. A fé é couraça e combustível da esperança. Os limites da vida biológica apesar da ampliação da expectativa de vida estão muito aquém do que a ciência poderá alcançar. Há os que afirmam que as pessoas morrem precisamente quando estão aprendendo a viver. Os que alcançam idade maior se assombram ao perpassar os olhos através do passado; de forma simples basta olhar o quadro da formatura: grande número de queridos professores já se transferiram para a eternidade, para uma dimensão maior. Mário Lago, 90, afirma que vai até os 100 anos. Não sou aquele velho que diz: Ah, no meu tempo! Meu tempo é agora. Não adianta pensar em como eu era quando tinha 40 anos; por isso, não fico na calçada vendo o desfile passar, vou junto com ele. Olho sempre para frente. Os verdes anos da adolescência, da juventude e da idade adulta transcorrem com rapidez. A partir de certa idade os retratos anteriores confrontam fisionomias bonitas e sem rugas, com faces em que se acentua a ação do tempo. Mas a experiência adquirida faz com que a vida seja melhormente vivida, o que é um consolo. O tempo segue, veloz, indiferente ao nosso espanto. (*) É MÉDICO