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Nº 5692
Opinião

A pandemia e os isolamentos

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Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 28/03/2020 - Matéria atualizada em 28/03/2020 às 06h00

Uma das mais medidas mais difíceis de instituir e manter nessa pandemia de Covid-19 são os isolamentos sociais. Mesmo a classe média, que tem boas acomodações, se ressente: com as escolas fechadas, as crianças retidas em casa ficam inconformadas e azucrinam os pais. Avós isolados sofrem saudades dos netos e se sentem como se nunca mais os fossem ver. Por que isso? A Bíblia pode ser essa fonte inicial de consulta para construção de um entendimento: no Novo Testamento, Jesus é o taumaturgo que usa o toque das mãos como único instrumento de cura e de realização de milagres, embora a fé fosse essencial. É a Medicina curativa individual, adotada pelo cristianismo desde então. Já no Velho Testamento, as curas, milagrosas ou não, são raras, é o domínio da saúde pública, na forma de higiene pessoal e ambiental, adotada pelo povo judeu tradicionalmente e que, segundo Hanna Arendt, em “Origens do Totalitarismo”, foi uma das responsáveis pela perseguição sofrida pelos judeus nas epidemias de peste na Idade Média na Europa, pois, como tinham bons hábitos higiênicos, eram menos acometidos pelas pragas, morriam menos e, por isso, eram tratados como feiticeiros pela população ignorante, suja e infectada. Não existia feitiçaria nenhuma, eram só hábitos higiênicos e o afastamento social do povo judeu.

Torna-se fácil entender que Israel seja um dos países que adotaram as medidas mais rigorosas desde os pódromos dessa pandemia: todos que chegavam aos aeroportos israelitas ficavam quarenta dias reais em quarentena; atualmente os seus isolamentos sociais continuam os mais rigorosos do mundo no enfrentamento dessa pandemia e provavelmente terá menos mortes e menos prejuízos econômicos. O isolamento social tem sido um dos temas mais polêmicos, principalmente porque o presidente da República tem uma visão pessoal que diverge da OMS, da grande maioria das autoridades sanitárias mundiais e até mesmo do seu Ministério da Saúde. A Itália, atualmente, é um dos países onde a pandemia atinge índices de contaminação e letalidade altíssimos. A principal razão reconhecida pela ciência é o retardo na adoção de medidas sanitárias de isolamento social. Nos EUA, Trump inicialmente subestimou a epidemia, mas o Congresso levantou um volume de recursos inédito para enfrentar essa calamidade, contudo a rica Nova Iorque está perto do colapso de seu sistema de saúde. No Brasil, existe uma ameaça velada de se instituir o isolamento vertical. Se ele é de execução factível para a classe média, a sua execução para a majoritária classe mais desfavorecida da população é totalmente inexequível sem um preparo prévio das autoridades, isolando os idosos dos demais familiares, principalmente nas metrópoles, onde se aglomeram em favelas e comunidades precaríssimas. Esse é um momento dificílimo para todos, e inevitavelmente ainda mais para os desfavorecidos. Todos nós perderemos poder econômico e patrimônio, mas precisamos ter solidariedade para auxiliar aqueles que só têm como único patrimônio as suas já precárias vidas. Necessitamos de um mínimo de ética e de humanismo. Tenho esperanças que vamos conseguir. Para os nossos netos e netas herdarem um mundo um pouquinho melhor depois dessa pandemia. Saúde, força, coragem, sensatez, equilíbrio e esperanças para todos vocês.

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