app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 0
Opinião

Chã Preta da minha infância

.

Por Olegário Venceslau de Oliveira e Silva. advogado e escritor | Edição do dia 28/05/2020 - Matéria atualizada em 28/05/2020 às 06h00

O tempo com toda sua voracidade e lídima demonstração de insuperável força, como águas torrenciais do velho riacho Paraibinha com suas manias de curvas, segue o compasso do destino caminhando sempre à frente, levando consigo pálidas lembranças de um pretérito jamais olvidado, cujas recordações se encontram impregnadas na mente e não menos no âmago de um novel aprendiz de escritor chã-pretense.

As tortuosas vielas comumente calçadas de espessos paralelepípedos, num cruzamento entre as ruas José Carneiro Lopes e Capitão Canuto, foram o palco de aventuras, desventuras e histórias de uma infância bucólica e arraigada aos costumes interioranos de uma cidadela, nascida às sombras dos morros e planícies verdejantes da zona da mata alagoana. Incontáveis peraltices, típicas da natureza infante de um garoto comum entre tantos, marcaram para sempre a memória de tantos quantos privaram de sua companhia, quando dividia com este as alegrias de uma época lúdica, relegada às práticas sadias das brincadeiras de esconde nas noites de breu, entre as estreitas calçadas de tijolos sobrepostos, ao som estridente de gritos e correrias, qual maratona de meninos descamisados e com os pés a pisar no chão, desprovidos quaisquer sentimentos de vaidade ou censura. As frondosas árvores igualmente adornadas com frutos multicoloridos davam conta dos primeiros dias de um abastardo outono, cuja estação climática há muito era ansiada, quando uma miríade de meninos povoava os galhos de vetustas mangueiras e jaqueiras, no afã de saborear verdadeiras iguarias produzidas pela natureza. O vento impetuoso trazia consigo esverdeadas folhagens, que transformava o úmido solo num esplêndido tapete, que comumente adornava toda paisagem campesina.

Sob o constante balançar de imponentes eucaliptos, que circundavam o chão de terra batida, os passos cadenciados de esqueléticos pirralhos protagonizavam uma cena de disputa esportiva, cuja remendada bola de futebol era o atrativo nas ensolaradas tardes no conhecido campinho de Dona Terezinha, às margens da rodovia que dava acesso a entrada da cidade. E a noite com todo mistério que lhe é peculiar, sob o vento ululante que permeia as ruas de becos de Chã Preta, servia como moldura duma aquarela pintada no imaginário lúdico de um menino, quando atentamente escutava as estórias de assombração, contadas amiúde pelos velhos Zé Bidú e Tonho Panta que insistiam em pôr medo a traquinos moleques, que pareciam extasiados com as lêmures narrativas.

Numa fidedigna paráfrase, cujas lembranças são verdadeiros tesouros inconsumíveis e perenes, feliz o homem que no auge de sua vida é capaz de fazer coro aos memoriais sonetos do poeta fluminense Casimiro de Abreu: “Oh! Que saudade eu tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância queria/ que os anos não trazem mais/”.

Mais matérias
desta edição