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Opinião

O enxofre e os alquimistas

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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 01/08/2020 - Matéria atualizada em 01/08/2020 às 06h00

Paracelso ( 1490 – 1550) notabilizou-se por ser o maior entre os alquimistas da Europa de então. Os alquimistas tentavam de todas as formas transformar tudo o que os cercava em ouro. Paracelso foi além e repudiou toda a herança do conhecimento médico herdado de Hipócrates, Galeno e Aristóteles. Entretanto, observava os subprodutos de suas alquimias e, antes de desprezá-los, experimentava-os e assim muitos destilados surgiram. O que movia os alquimistas em infinda busca por ouro era um misto de fé, feitiçaria, desconhecimento e desprezo pelo conhecimento herdado das gerações anteriores, mas existiam também muitos charlatães entre eles.

Bill Gates não é alquimista, mas um bilionário que redistribui parte de sua imensa fortuna através de sua fundação para o financiamento de diversas pesquisas científicas e instituições de saúde. Na África, financia grande parte das ações contra o letal vírus Ebola e, atualmente, muito contribui para as pesquisas das vacinas contra o Covid-19. Isso não impediu que fosse acusado por redes sociais desonestas de estar tentando controlar a mente das crianças africanas pela implantação de microchips nas suas cabeças, usando para tal fim o subterfúgio das vacinas. Outras fake news bradam que as vacinas que vão ser usadas para prevenir a Covid-19 usam células de fetos abortados. Uma falácia já divulgada há anos por um site “pró vida”, com base em “publicações científicas”, cujo objetivo seria alertar para supostos aspectos eticamente controversos no desenvolvimento dessas vacinas, ao ligar esse tipo de trabalho à prática de aborto. Assim como as crianças de pais vacinados nasceriam com focinho de bezerro, essa, uma fakes news já usada na época de Osvaldo Cruz. São esforços na campanha de desinformação contra a vacina para Covid-19, que são quase tão duradouros quanto à própria pandemia. A imensidão de fakes news que circula nessa pandemia é indescritível em sua imoralidade e desonestidade. Quando a humanidade enfrenta uma das suas maiores tragédias, as redes sociais são assoladas por matérias que insistem em promover produtos que a ciência não tem nenhuma comprovação benéfica, mas que conhece muito bem os seus malefícios. Como os alquimistas da Idade Média, eles recomendam: “Tomem o remédio milagroso! Ele salva!”, e mostram suas caixas até para as emas, que correm. O remédio milagroso é “recomendado” para você “confiar”, como se ciência fosse uma questão de confiança ou fé... Confundindo indevidamente a religião com a ciência, esta que é submetida sempre a acompanhamento, observação, comprovação, repetição sob supervisão, contestação, crítica e controle externo independente. Sófocles (496 – 406 a,C) já afirmava: “Nenhuma mentira chega a envelhecer no tempo”, mas elas precisam ser combatidas, pois ameaçam a sobrevivência dos marcos civilizatórios indispensáveis ao ser humano, como a preservação da saúde, da ciência, da democracia e do Estado de Direito. Os inquéritos das fakes news ora em desenvolvimento sob o acompanhamento do STF, as investigações sobre dossiês secretos do Ministério da Justiça, os esclarecimentos sobre o conflito PGR x forças tarefas, são indispensáveis para que as inverdades não se estabeleçam como fatos definitivos. Os alquimistas atuais que usam o dinheiro público para financiar suas fakes news, querem transformar enxofre em ouro, disseminar o ódio e a polarização na sociedade - e evitar que a cultura da informação e do conhecimento vença a cultura da desinformação e do ódio entre os brasileiros .

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