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Opinião

Acesso às armas de fogo e o mito da segurança

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Por Ledo Paulo Guimarães Santos. advogado criminalista, é doutor em Direito Criminal pela UFPR e professor de Direito Penal da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo | Edição do dia 18/09/2020 - Matéria atualizada em 18/09/2020 às 06h00

A Instrução Normativa nº 174 – DG/PF desburocratiza os processos para posse e porte de armas de fogo, amplia o prazo de validade do registro para dez anos, além de prever a possibilidade de aquisição de até quatro armas por pessoa (sem exigências específicas para essa quantidade). Em síntese, trata-se de norma administrativa da Polícia Federal que atende ao desejo do atual Governo Federal, que é a ampliação do acesso às armas de fogo. Escreve-se mais um capítulo na cruzada pelo armamento da população. Rios de tinta já foram escritos sobre o tema, mas parece não ser o suficiente para superar certas ideias. O mito da segurança pelo armamento da população persiste. E mito pode significar ficção, uma pessoa ou um fato cuja existência, presente na imaginação das pessoas, não pode ser comprovada (Dicionário Michaelis).

Nada imaginárias, porém, são as consequências do acesso às armas de fogo.“Após discussão no trânsito, pai, mãe e filho são mortos a tiros”; “Mulher é morta com 11 tiros e principal suspeito é ex-namorado, que não aceitava fim do relacionamento”; “Atentado a tiros em Suzano: o massacre na escola estadual”; “Coronavírus: EUA têm primeiro mês de março sem tiroteio em escola desde 2002”. Todas as manchetes retratam mortes trágicas causadas com emprego de armas de fogo. São todas reais, é possível conferir. Pode parecer apelo, mas infelizmente é fato corriqueiro. Entretanto, por mais trágico que seja, certamente a discussão sobre o tema não deve se resumir a esses apelos. Para ampliar o debate, há pesquisas sérias que confirmam os efeitos nocivos de se armar a população.

Pesquisa de 1999 feita pelo IBCCrim, a pedido da Secretaria da Segurança de São Paulo, mostra que pessoas armadas têm 56% mais chance de morrer numa ação criminosa do que aquelas que estão desarmadas. No Atlas da Violência 2019 - realizado pelo Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública - há uma seção específica que trata do uso de armas de fogo em crimes de homicídio, que demonstra um crescimento significativo de mortes por armas de fogo nas décadas de 1980, 1990 e até 2003 (quando entrou em vigência o Estatuto do Desarmamento). “Enquanto nos 14 anos após o Estatuto do Desarmamento, entre 2003 e 2017, o crescimento médio anual da taxa de homicídios por arma de fogo no país foi de 0,85%. Nos 14 anos antes do ED, a taxa média anual havia sido de 5,44%, ou mais de seis vezes maior”, revela o estudo.

Há quem demagogicamente diga que “violência se combate com violência”, mas dados, estudos e pesquisas indicam que armar a população não acarreta mais segurança pública.A razão contraria a crença na violência como solução. E, em tempos de negação da ciência e do saber, é necessário dizer o óbvio. Evidente que é justo o anseio por segurança pública, é necessário enfrentar a questão da violência. E isso é função do Estado prover. Não cabe terceirizar a tarefa para a população, pois isso é aceitar e barbárie. Fato é que há outros meios de promover segurança pública - e mais eficazes. Mas facilitar o acesso às armas de fogo – enquanto se discute tachar livros – diz muito sobre o momento atual.

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